Quantos anos serão necessários para que a diferença salarial entre homens e mulheres no Brasil desapareça?

Natália*, 40 anos e Felipe*, 42 anos, são professores, têm formação semelhante e exercem funções semelhantes, mas ao longo de 20 anos de carreira, Natália sempre ganhou menos que o marido. O caso mais marcante foi há dois anos, quando ela fez uma entrevista de emprego para uma escola particular, em São Carlos (SP), e recebeu a proposta salarial de R$ 800 por mês para lecionar seis aulas de 40 minutos cada, por manhã. “Na semana seguinte, a escola conversou com o meu marido e ofereceu R$ 1,7 mil pelo mesmo trabalho”, diz Natália.

Quantos anos serão necessários para que a diferença salarial entre homens e mulheres no Brasil desapareça?
Quantos anos serão necessários para que a diferença salarial entre homens e mulheres no Brasil desapareça?

O caso de Natália e Felipe não é isolado. Historicamente, no Brasil, homens ganham mais que mulheres. Após sete anos de quedas consecutivas, em 2019, houve um aumento da diferença dos salários de mulheres e homens de 9,2% em relação a 2018.

Em 2011, homens com ensino superior ganhavam, em média, R$ 3.058, enquanto as mulheres com o mesmo nível de formação ganhavam, em média, R$ 1.865, o que representa uma diferença de salário de 63,98%.

Em 2012, essa diferença começou a cair, passando para 61,78%. Em 2018, chegou a ser 44,7%, com homens ganhando, em média, R$ 3.752 e, mulheres, R$ 2.593. Em 2019, a diferença aumentou e passou a ser de 47,24%, com homens ganhando em média R$ 3.946 e, mulheres, R$ 2.680.

Os dados foram compilados para a Agência Brasil pela Quero Bolsa, plataforma de bolsas e vagas para o ensino superior, com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

“Muitas vezes não é só o currículo que conta, a capacidade, o profissionalismo, mas o simples fato de ser mulher. Se é mulher, você não é contratada porque vai dar problema, como já ouvi muitas vezes”, diz Natália. Ela conta que certa vez, uma escola de Jaú (SP) pediu que ela se comprometesse a não engravidar para não comprometer o ano letivo enquanto lecionasse na instituição. Ela recusou a vaga.

Previsão constitucional

A jornalista Clara*, 52 anos, passou por situação semelhante. Enquanto trabalhou na redação de um jornal em São Paulo, ganhou menos que um colega na mesma posição. “Recebi explicações superficiais sobre a diferença de salário. Mesmo mostrando que fazia a mesma coisa, com o mesmo volume de trabalho, a explicação foi de que cada salário era calculado de um jeito”, diz.

Clara, que tem 30 anos de profissão, ressalta que a equiparação salarial está prevista na Lei 1.723/1952, que assegura que sendo idêntica a função, “a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”.

“Algumas empresas cumprem, outras acham que como a mulher engravida, tem licença maternidade, o custo dela como funcionária é maior. Logo, ela tem que ganhar menos, ou seja, pagar pela licença maternidade. Mas paga muito, muito mais. Não tem fiscalização e, com a crise, infelizmente esse cenário piorou”, diz a jornalista.

Carreiras

Segundo o pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) Daniel Duque, exista uma desvalorização de profissões que são majoritariamente ocupadas por mulheres. “Mais mulheres são formadas em profissões como licenciatura, pedagogia, enfermagem, odontologia, em relação a homens. E, mais homens são formados em cursos como engenharia. Parte desse diferencial de homens e mulheres é atribuído a essas diferentes escolhas de cursos” diz, e acrescenta, “Provavelmente, o maior fator foi uma maior desigualdade de retorno entre essas profissões”.

Os dados do Caged mostram que, no ano passado, entre as dez carreiras de ensino superior com maior geração de postos de trabalho, as mulheres recebem, em média, salários menores em sete delas. A maior desvantagem foi encontrada no cargo de analista de negócios, com homens ganhando R$ 5.334 e mulheres, R$ 4.303, o equivalente a 80,67% do salário deles.

Segundo Duque, ao pagar menos às mulheres, o Brasil perde economicamente. “Quando se nega a mulheres oportunidades equivalentes às dos homens no mercado, a gente abre mão de cérebros. Estamos deixando de incorporar no mercado de trabalho no Brasil mulheres que seriam extremamente talentosas”, diz. “Estamos perdendo força produtiva por desigualdade entre gêneros e isso vai impactar a produtividade agregada brasileira e nosso desenvolvimento”.

Mulheres estudam mais

Para o diretor de Inteligência Educacional da plataforma Quero Bolsa, Pedro Balerine, o aumento do número de pessoas com ensino superior fez com que as diferenças salariais entre as profissões e entre os gêneros ficasse mais evidente no ano passado.

“A oferta de ensino superior aumentou bastante de 2012 para cá. As pessoas [que se formaram] estão entrando no mercado de trabalho. Infelizmente, o Brasil ainda está aquém em igualdade salarial entre homens e mulheres”, diz Balerine.

Essa discrepância, segundo o diretor, é injusta: “As mulheres estudam mais, fazem mais pós-graduação, mais mestrado, mais doutorado, não faz o menor sentido ter essa discrepância. Ela é injustiça”.

Os dados copilados pela Quero Bolsa mostram que, apesar da maioria das carreiras pagarem salários menores às mulheres, elas são 57% do total de estudantes no ensino superior. São também maioria na iniciação científica, representando 59,71% do total dos pesquisadores. Na pós-graduação, 54% do total de estudantes são mulheres.

Veja as médias salariais de homens e mulheres nas dez carreiras com maior geração de postos de trabalho:  

Analista de negócios: homens ganham R$ 5.334 e mulheres, R$ 4.303

Analista de desenvolvimento de sistemas: homens ganham R$ 5.779 e mulheres, R$ 5.166

Analista de pesquisa de mercado: homens ganham R$ 4.191 e mulheres, R$ 3.624

Biomédicina: homens ganham R$ 2.761 e mulheres, R$ 2.505

Enfermagem: homens ganham R$ 3.417 e mulheres, R$ 3.288

Preparador físico: homens ganham R$ 1.426 e mulheres, R$ 1.326

Nutricionista: homens ganham R$ 2.781 e mulheres, R$ 2.714

Farmacêutico: homens ganham R$ 3.209 e mulheres, R$ 3.221

Fisioterapeuta geral: homens ganham R$ 2.400 e mulheres, R$ 2.422

Avaliador físico: homens ganham R$ 2.107 e mulheres, R$ 2.303

Os nomes foram mudados a pedidos das entrevistadas.

Edição: Denise Griesinger

A desigualdade de gênero ainda existe e cria vários obstáculos para as mulheres no mercado de trabalho. Eu trouxe aqui alguns dados que ajudam a mostrar porque essas questões, longe de resolvidas, são mais urgentes do que nunca.

UM POUQUINHO DE CONTEXTO

As mulheres são maioria da população no Brasil. Vivem mais tempo, têm mais educação formal e ocupam 44% das vagas de emprego registradas no país.1 No entanto, o número de mulheres desempregadas é 29% maior que o de homens. E quando falamos das posições de liderança, embora a porcentagem de mulheres CEOs no Brasil tenha crescido de 5% em 2015 para 16% em 2017, elas ainda representam apenas 2,8% dos cargos mais altos.2

Pode ser que você já tenha visto essas informações, mas talvez ainda não tenha parado para entender a fundo as barreiras enfrentadas por uma mulher que tenta se desenvolver profissionalmente e construir sua carreira no Brasil.

Para ajudar a entender melhor e eliminar essas barreiras dentro da sua empresa, que tal dar uma olhada no que os dados dizem sobre o assunto?

EQUIPARAÇÃO SALARIAL: temos mesmo que esperar um século?

Cem anos. De acordo com o relatório do último Fórum Econômico Mundial, esse é o tempo estimado para que a diferença salarial entre homens e mulheres desapareça. Atualmente, elas recebem 74,5% do salário dos homens ocupando os mesmos cargos.3

Entre 2013 e 2017, as buscas no Google por "desigualdade de gênero no mercado de trabalho" cresceram 451% e por “mulher ganha menos” aumentaram 298%.4 Isso sugere que apesar do caminho em direção à equidade de gênero ainda ser longo, elas estão cada dia mais interessadas pelo assunto e conscientes dessa urgência.

Por outro lado, a consciência sozinha cria um mecanismo de pressão? Em teoria, não. Mas é um bom ponto de partida para pensar em iniciativas que empoderem as mulheres para irem atrás do que lhes é de direito.

MATERNIDADE: é justo ter que escolher entre filhos e carreira?

A americana Maya Angelou, escritora, ativista de direitos civis e historiadora, disse que a esperança e o medo não podem ocupar o mesmo lugar.5 Certamente não estava descrevendo o mercado de trabalho, mas poderia representar o que muitas profissionais brasileiras sentem na pele quando decidem ser mães.

As buscas por “congelamento de óvulos “ cresceram 89% nos últimos cinco anos – 25% somente no ano passado – e servem como um belo indicativo de que, mesmo as mulheres que querem ter filhos, ainda sentem a necessidade de adiar a maternidade por receio de perder oportunidades enquanto tentam conciliar carreira e família. A procura por termos relacionando demissão, estabilidade e licença maternidade cresceu mais de 300% nos últimos 5 anos.6

Já as buscas por “MEI licença maternidade” cresceram mais de 700%, sugerindo que um grande número de mulheres considera abraçar o empreendedorismo depois de serem mães.7 Os dados da pesquisa Mulher Empreendedora realizada pela Robert Half em 2016 confirmam essa hipótese, revelando que, em 85% das empresas brasileiras, metade das profissionais deixa o emprego após o nascimento do primeiro filho.8

É um bom momento para as empresas que já perceberam que, para não perder mão de obra qualificada, é preciso fazer algumas transformações no ambiente corporativo. As mulheres são capacitadas e não querem ficar paradas. A exemplo disso, a busca por ‘empresas que contratam grávidas’ cresceu 221% entre 2015 e 2017.9

ASSÉDIO NO AMBIENTE DE TRABALHO: 2018 e ainda precisamos falar disso

Se um comportamento deixa alguém desconfortável, ele precisa ser repensado. Observando as pesquisas no Google, vemos um forte movimento nessa direção: as co-buscas (pesquisas realizadas em um intervalo de 30 minutos) sobre assédio e machismo dobraram de 2016 para 2017.10

No último ano, vimos o início do que pode vir a ser o debate definitivo para estabelecer mais segurança para mulheres em seus ambientes de trabalho. Movimentos como Time’s Up e Me Too partiram de Hollywood trazendo à tona histórias e nomes para mostrar que nenhuma indústria está livre do problema. Dentro do tema, “assédio moral no trabalho” é atualmente o 2º termo mais buscado no Google. O lado positivo disso? Está cheio de gente tentando resolver o problema. Só em janeiro de 2018 mais de 1000 vídeos sobre o termo "mansplaining" (quando um homem se propõe a explicar as coisas para uma mulher, assumindo automaticamente que, por ser mulher, ela não tem conhecimento ou compreensão do tema) foram publicados no YouTube para ensinar as pessoas sobre a importância de respeitar o espaço, a voz e a vez delas.

REPRESENTATIVIDADE : inspiração para ir mais longe

Mulheres são mais educadas formalmente e mais qualificadas para as vagas de emprego. Elas representam 55,1% das universitárias e 53,5% do total de alunos de pós-graduação, de acordo com o IBGE.11 Apesar disso, uma pesquisa da HP mostra que elas só se candidatam para uma vaga se forem capazes de preencher todos os pré-requisitos. Já os homens mandam o currículo com apenas 60% das habilidades exigidas.

Mas elas estão cada vez mais engajadas em reivindicar os espaços que podem - e devem - ocupar nesse processo de transformação do mercado. A expressão “empoderamento feminino” foi 4x mais buscada em 2017 do que em 2012. Quando falamos de "empoderamento feminino no mercado de trabalho", são mais de 459 mil resultados.

Há um interesse constante e crescente em descobrir maneiras, informações e outras mulheres que possam inspirar essa transição.

"AJUDA NÃO VALE": uma divisão de tarefas mais justa é fundamental para a mudança

Mas o mercado de trabalho não é o único desafio: ainda existe a questão da dupla jornada. Um levantamento recente da Oxfam mostra que ter um emprego e ser a maior - às vezes, a única - responsável pelos afazeres domésticos e cuidados com a família, ainda é a realidade da maioria das mulheres no mundo.

Para ilustrar o que isso significa, segundo o estudo, se fôssemos remunerá-las por suas horas de trabalho em casa, seriam injetados 10 trilhões em dólares na economia mundial.12 Com uma maior parceria dentro do ambiente familiar, mais mulheres conseguiriam se dedicar à conquista dos cargos que sonham.

FAZENDO PARTE DA MUDANÇA: vamos acelerar essa transformação?

As soluções em prol da igualdade de gênero podem surgir de onde menos esperamos. Na prática, algumas ações básicas (e até mesmo óbvias) ajudam a encurtar essa jornada. Em um processo seletivo, por exemplo, é importante ter em mente que esse é um momento fundamental de trazer mais diversidade para seu time. As empresas em que mulheres ocupam pelo menos 30% dos papéis de liderança são 1.4 vezes mais propensas a ter um crescimento contínuo e lucrativo.13

Assim, que tal incentivar mulheres a candidatarem-se para as suas vagas? Dê chance para que elas possam mostrar o seu trabalho, avalie as candidatas única e exclusivamente pela sua competência profissional. E se você for líder de uma mulher, incentive-a a ir ainda mais longe na carreira, ofereça oportunidades de crescimento e dê o devido crédito quando o trabalho for dela. Estimule diálogos abertos e honestos sobre igualdade de gênero, onde todos tenham espaço para errar, aprender, questionar e pedir ajuda.

Cabe a todos nós estimularmos a mudança de consciência dentro das empresas. Talvez o mais importante seja percebermos que, todos nós, de alguma forma, ainda somos parte do problema. Ninguém está livre de ter algum tipo de viés, e estarmos atentos a isso já é um passo rumo à transformação. Vamos juntos!