Por que as pessoas odeiam o bolsonaro

Por que as pessoas odeiam o bolsonaro

Bolsonaro acena para o público durante partida de futebol DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO - 2.12.2018

Bolsonaro bebendo água de coco em um quiosque da Barra da Tijuca.

Bolsonaro lambuzando o pão com leite condensado.

Bolsonaro tomando café da manhã com uma autoridade americana em uma mesa com guardanapo de papel.

Bolsonaro lavando a própria roupa em um tanque.

Bolsonaro fazendo alusão à facada que levou em brincadeira com churrasqueiro militar.

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São várias as imagens que bimbalham o jeitão de "gente-como-a-gente" do novo presidente do País. E isso tem causado enorme desconforto entre a esquerda, notadamente, nas hostes petistas, que temem uma conexão maior de Bolsonaro com o eleitor que hoje ainda é refém da figura de "pai dos pobres", forjada pelo ex-presidente Lula ao longo de anos de assistencialismo funesto e fuleiro. 

A perspectiva de que Bolsonaro possa substituir Lula no coração e nas mentes do brasileiro mais humilde causa taquicardia entre as lideranças do PT. Elas sabem que o projeto de poder conduzido pelo partido até aqui não terá mais um segundo de sobrevida caso o ex-presidente perca a hegemonia no diálogo com as camadas mais populares da sociedade. A classe média e os setores mais ricos da sociedade há bastante tempo, por inúmeras razões, abandonaram a canoa petista.

Alguém já disse com propriedade que Jair Bolsonaro é o Lula da direita.

Os dois têm hábitos singelos, comuns à imensa maioria do nosso povo. Os dois, em várias ocasiões, falam uma língua parecida com o português, que, se apoquenta os mais letrados, é puro Camões para os ouvidos dos mais desfavorecidos. Os dois lideram incontestes suas tropas e, principalmente, são os únicos políticos capazes de arrastar multidões para vê-los e ouvi-los.  

Só que um vai passar o Natal na cadeia e o outro está a dias de ocupar o Palácio do Planalto.

Essa diferença faz toda a diferença.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

No dicionário a palavra "odiar" significa "sentir aversão por (algo, alguém, a si próprio ou um ao outro); detestar (-se), abominar (-se). Achar muito desprazeroso".

Odiar a si e odiar ao outro, ou aos outros.

Sinto que o ódio que transforma a realidade em mortes e fome é a nova política pública brasileira, sem cartão social e sem possibilidade de existência. A impressão é que os gritos foram abafados, todos eles já estavam lá, uns mais visibilizados que outros, uns mais altos que outros, outros mesmo calados são os que mais morrem.

O Brasil vive em um estado de desatenção.

No fim de 2020, 19,1 milhões de pessoas no Brasil conviviam com a fome. Em 2022, são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer. Cara, vocês já passaram fome? Fazem ideia do que é não ter o que comer em qualquer uma das refeições, ou só em uma delas?

O aumento da fome no Brasil só me impulsiona a concluir que o governo federal odeia o Brasil. Se o desprezo pelas pessoas sem emprego e sem comida te faz deixar morrer é porque você tem ódio. Se a fome não te desespera você tem ódio.

A resposta do governo brasileiro ao desaparecimento de Bruno e Dom é uma resposta com ódio de quem defende os povos da floresta, quem defende a vida nos territórios que são roubados com o apoio do governo. A resposta não diz nada além de mais violência, omissão, negligência, mentira e manipulação. E ódio.

Bolsonaro tem ódio do Brasil.

Durante todos os dias abria as redes sociais e ouvia Bruno cantando ao lados dos povos indígenas no meio da floresta e aquilo era uma faca atravessando meu peito. Ouvia os gritos dos povos indígenas pedindo para que o governo ajudasse a procurar Dom e Bruno e sentia desespero.Um desespero de quem vive na floresta, de quem morre, de quem precisa buscar jeitos de fugir dos bandidos apoiados pelo governo federal, que apoia garimpo, desmatamento, pesca e tudo que é de ilegal na floresta. E MATA!

Mata porque tem ódio.

Meu profundo respeito aos mais de 100 indígenas das etnias Marubos, Maiurunas, Matis, Kulinas e Kanamaris, que estão no décimo dia de buscas por Bruno e Dom. Os povos originários são gigantes. Estão diariamente na linha de frente, ao lado do movimento negro dando lições valiosas para a humanidade, sobre sobrevivência na cidade e na floresta.

Gente, ninguém aqui tem escolha difícil esse ano, em 2018 não tínhamos uma escolha difícil, esse ano não temos escolha difícil. É a reconstrução ou a continuação da barbárie. É a reconstrução ou a continuação de mortes naturalizadas. É a reconstrução ou a devastação total do Brasil. É a reconstrução ou o aumento da fome. É a reconstrução ou o aumento das mortes da maioria da população.

Não temos mais escolha difícil. E não temos tempo para problematizações, nem artistas milionários querendo ser politizados, não temos tempo e espaço. Só há espaço para a reconstrução.

Jornalistas, o sensacionalismo barato, caça audiência é parte da política genocida do governo. Não façam isso, não atravessem vidas assim, não desrespeitem famílias, não deixem de falar a verdade e reagir de forma séria por desespero. O jornalismo sério é raro e difícil de fazer, sejam sérios.

Em seus 100 primeiros dias de governo, Jair Bolsonaro registrou a pior avaliação para um presidente do Brasil em início de primeiro mandato desde a eleição de Fernando Collor, em 1990. A pesquisa divulgada no último domingo 7 pelo Datafolha demonstra o crescimento da insatisfação com o pesselista dentro de seu próprio eleitorado. Nas redes sociais, acumulam-se críticas de bolsonaristas arrependidos.

“De que adianta reforma da previdência sem primeiro fazer a reforma tributária? Sou fogo amigo e legislação tributária é comigo. Sou patriota e votei no Bolsonaro, porém não sou vaca de presépio e não preciso de governo, não me dê chance que sou crítico por natureza”, diz um eleitor do presidente no Twitter. “Infelizmente nosso presidente Bolsonaro está sendo uma das maiores decepções de toda a história do Brasil”, afirma outro ex-bolsonarista em vídeo no YouTube.

As reclamações, aliás, se reproduzem nas redes sociais, retrato da insatisfação dos brasileiros com o atual governo. Um desgosto que é especialmente importante no Sul do Brasil, onde Bolsonaro alcançou seu maior índice de votação, 68%. Atualmente, na região, apenas 39% veem seu governo como ótimo ou bom e 54% afirmam que o presidente fez menos do que o esperado.

É o caso da catarinense Maria Goreti, que votou em Bolsonaro no segundo turno. À RFI, ela contou que escolheu o pesselista por eliminação, para não votar no então candidato Fernando Haddad e evitar que o Partido dos Trabalhadores voltasse ao poder.

Decepção e medo

Três meses após o início do novo governo, a eleitora se define como “decepcionada” e afirma “ter muito medo” dos futuros passos do presidente. “O que me assusta no Bolsonaro não são as ações políticas dele no sentido de cumprir promessas, mas a personalidade e o caráter dele, que podem resultar em coisas muito ruins para o Brasil no decorrer desses próximos quatro anos. Eu o vejo como um homem autoritário, impulsivo, ansioso, que se apoia em convicções pessoais e não analisa a realidade brasileira antes de fazer declarações e publicações inconsequentes”, observa.

Maria Goreti cita como exemplo o escândalo do vídeo do golden shower, que o pesselista publicou no Twitter no Carnaval. Também reclama da proximidade do presidente com os militares, discorda do revisionismo sobre o golpe de 1964 e é crítica quanto à interferência dos filhos de Bolsonaro no governo. Considera, no entanto, que ainda é cedo para exigir resultados concretos do líder da extrema direita brasileira.


“Penso que Bolsonaro não tem o traquejo e o conhecimento necessários para governar. Eu tinha essa percepção desde a época da campanha eleitoral, mas pensei: ‘talvez ele não seja exatamente assim’. Ao mesmo tempo também acredito que, se ele se cercar de gente competente – que parece que é o que ele está tentando fazer –, vai atender o interesse do povo, que ele próprio não enxerga muito bem”, avalia.

O que justifica a queda de popularidade?

Para o cientista político Maurício Santoro, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), a queda brusca na popularidade do presidente está relacionada ao cenário das eleições em 2018. “Um percentual muito grande de pessoas que votaram no Bolsonaro o fizeram não por concordar com suas ideias e com suas propostas de governo, mas porque o encararam como uma rejeição à política tradicional e esse foi também um voto de protesto contra os governos de esquerda, contra o Partido dos Trabalhadores. Ou seja, foi um voto mais baseado em não querer outros candidatos do que propriamente na adesão a Bolsonaro”, analisa.

Já a cientista política Esther Solano, professora do Departamento de Relações Internacionais da Unifesp e organizadora do livro “O ódio como política” (Boitempo Editorial, 2018), acredita que a decepção tem relação com o perfil de Jair Bolsonaro, “um personagem populista, que chegou ao poder de forma demagógica, de forma messiânica e salvacionista”. “As pessoas ficam muito decepcionadas porque obviamente ele não conseguiu cumprir tudo o que prometeu”, observa.

A falta de gestão também é apontada por Esther Solano como outro motivo da insatisfação do eleitorado. “A paralisia administrativa tem sido muito grande e as brigas internas são muito expostas” que mostram “sua incapacidade de fazer política”, avalia.

Cem dias frustrantes de governo

Segundo a professora, a decepção dos bolsonaristas tem vários motivos. “Para uma parte da população mais elitista, como o empresariado ou a classe média alta, esse sentimento tem muito a ver com a incapacidade de fazer passar as reformas econômicas, principalmente a da previdência. Por outro lado, as classes mais populares, que continuam um pouco mais convencidas, o que pega muito mal é a mania de Bolsonaro passar todo o seu tempo na internet brigando e não colocar a mão na massa”, afirma.


O desencanto dos brasileiros com o governo acontece porque, segundo Santoro, Bolsonaro não soube trazer respostas rápidas aos principais problemas do país, como o desemprego, a violência e a corrupção. “Esses cem primeiros dias de governo foram muito frustrantes em vários desses aspectos. O presidente está muito mais empenhado em conflitos ideológicos, levando adiante uma série de guerras culturais pelas redes sociais, e isso tem desagradado muitos a seus eleitores.”

O professor da Uerj destaca que, atualmente, apenas um terço da população considera seu governo como bom ou ótimo. “Nesse período, o normal para um presidente eleito do Brasil seria ter mais de 50% de aprovação”, reitera.

Polarização prejudica governo

Na avaliação de Santoro, um dos grandes problemas de Bolsonaro é continuar se comportando como candidato, “com a lógica do deputado de baixo clero que ele foi durante quase trinta anos, para quem o discurso extremista era a maneira de chamar atenção, de conseguir um espaço na opinião pública que ele não teria de outro modo”.

De acordo com o cientista político, o presidente não percebeu que “as regras do jogo mudaram”, o que fragiliza sua própria base. “O discurso que Bolsonaro teve durante a campanha, muito agressivo contra seus adversários, foi útil para mobilizar apoio e para trazer para seu lado aquelas pessoas que estavam descontentes. Mas, uma vez na presidência, esses eleitores querem mudança, resultados e saber o que vai acontecer com suas vidas na prática, no cotidiano”, aponta.

Por que as pessoas odeiam o bolsonaro

Entretanto, para Esther Solano, a previsão é de que Bolsonaro continue insistindo no discurso de ódio que o elegeu, “mas, na falta de gestão, ele não se sustenta a longo prazo”. “Para conquistar o empresariado e as classes médias, as reformas econômicas são absolutamente fundamentais, bem como resolver a questão do desemprego. É preciso que ele passe uma ideia de competência, de estabilidade, além de parar as brigas internas e essa mania dos filhos de ficar tuitando o tempo todo”, avalia.

Insatisfação vira comédia nas redes sociais

A crescente decepção de parte do eleitorado bolsonarista virou chacota na internet. No Facebook, Twitter e Instagram, multiplicam-se grupos que brincam com a insatisfação dos internautas que usam as redes para desabafo.

O cientista político João Vitor é administrador da página “Bolsominions Arrependidos” no Facebook. À RFI, ele contou que a ideia de criar o grupo veio no final das eleições, em 2018, ao perceber o início do arrependimento de eleitores com Bolsonaro.

“No começo, quando eu criei essa página, eram poucas pessoas que demonstravam esse sentimento. O fato de isso ser engraçado e curioso fez com que atraíssemos uma certa atenção. O aumento do número de eleitores de Bolsonaro frustrados ou arrependidos apareceu a partir do momento que ele começou a governar”, observa.

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João Vitor diz perceber que a insatisfação não se restringe às redes sociais, embora haja constrangimento dos eleitores em admiti-la. “Eu venho de um ambiente onde poucas pessoas votaram no Bolsonaro, o meio universitário. Tenho contato com familiares, amigos e conhecidos que votaram nele. Alguns deles estão frustrados, outros já se arrependeram, outros simplesmente pararam de falar sobre política e não demonstram muito interesse em discutir sobre o novo governo.”

Os cem primeiros dias do governo do pesselista são vistos sob fortes críticas por João Vitor. “Bolsonaro é um extremista, autoritário, não concordo com absolutamente nada que ele faz ou defende. O governo dele é muito mal organizado, com falta de articulação, trapalhadas e disputas internas fratricidas com os setores que o apoiam. Tudo isso fez com que ele perdesse grande parte do apoio popular”, conclui.