Como a população brasileira se autodeclara

 A população que se declara parda já é maioria no país, mas o percentual de pessoas nesse grupo caiu nas regiões mais pobres e cresceu nas áreas mais ricas do Brasil em 2016.  É o que mostra a Pnad Contínua, pesquisa de abrangência nacional do IBGE que substitui a antiga Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio).

A soma entre os que se declaram pardos e pretos (o IBGE investiga cor ou raça e usa a terminologia preto na pesquisa) já é maior do que brancos desde 2012. Pardos individualmente como um grupo, contudo, só superaram brancos em 2015.

A tendência se manteve em 2016, o último dado disponível. Do total da população, 46,7% se declararam pardos, alta de 0,6 ponto percentual frente ao ano anterior. Os autodeclarados pretos corresponderam a 8,2% da população, alta de 0,5 ponto percentual. Na outra ponta, brancos somaram 44,2% em 2016, com queda de 1,3 ponto percentual em relação a 2015.

Na abertura pelas grandes regiões do país, verifica-se a redução constante de pardos no Norte e no Nordeste, ainda que mantenham a maioria em termos absoluto, e aumento no Sul, Sudeste, embora sejam minoria. Brancos caem em todas as regiões do país enquanto negros registram alta em todos os locais.

Segundo a gerente da Pnad Continua, Maria Lúcia Vieira, a queda dos pardos no Nordeste e Norte pode estar ligada aos movimento de reafirmação racial no país. Mais negros estariam se declarando como tal, reduzindo, então, a quantidade de pardos.

As pesquisas raciais no Brasil sempre esbarraram na questão da subnotificação de negros por questões relacionadas a discriminação. Muitas pessoas ainda não se sentem a vontade para se autodeclarar negras. É por isso que nas pesquisas, os negros não correspondam a nem 10% da população, ainda que nas ruas a impressão seja outra.

A cor da pele e a miscigenação acabam favorecendo a autodeclaração dos pardos, explica a técnica do IBGE. Pode ocorrer de uma pessoa de pele negra se autodeclarar parda por ter um dos pais com pele branca, por exemplo. O IBGE trabalha com autodeclaração e não faz questionamentos quanto às respostas ao questionário da pesquisa pela população.

A trajetória de queda dos brancos e crescimento dos pardos em bases absolutas no país é também resultado da miscigenação da população, numa tendência sem volta, explica Vieira. "O crescimento de pardos é uma tendência que não se reverte mais. As pessoas não deixam de ficar miscigenadas, pelo contrário, a mistura é cada vez mais frequente", disse.

"Há ainda aumento das pessoas que não se declaravam como negras no passado e agora o fazem. Isso está ligado à forma como a pessoa se enxerga na sociedade. Ainda assim, é difícil determinar a raça da pessoa somente pelo tom de pele. Pode haver quem tem pele mais escura e se declara parda por ter uma mãe branca, por exemplo", disse.

Os pardos no Norte do Brasil representavam por 72,3% da população em 2016, queda de 0,6 ponto percentual frente a 2015. A região é a que concentra maior população parda do país.

Já os que se declaram negros cresceram 0,6 ponto percentual na passagem de 2015 para 2016 -eram 6,4% e passaram a 7%. Houve queda da população que se declara branca, de 0,5 ponto percentual -eram 20% em 2015 e passaram a 19,5% em 2016.

No Nordeste, pardos caíram 0,2 ponto percentual -eram 64,9% em 2015 e passaram a 64,7% no ano seguinte. Os pretos representaram 9,9% da população no ano passado, alta de 0,6 ponto percentual frente ao ano anterior. Os brancos caíram 0,6 ponto percentual -eram 25,4% e fecharam 2016 em 24,8%.

Nas regiões ricas do país, pardos avançam se forma mais significativa. O Sul foi onde houve o maior aumento dos pardos, de 1,6 ponto percentual na passagem de 2015 para 2016. Eles representavam 17,1% em 2015 e passaram a 18,7% no ano seguinte. É o maior crescimento de um ano para o outro desde o início da série histórica, em 2012.

Negros subiram de 3,6% para 3,8% da população do Sul em 2016. Já os brancos, maioria absoluta na região, recuaram de 78,8% em 2015 para 76,8% em 2016 -queda de 2 pontos percentuais, a maior queda da série histórica.

No Centro-Oeste, os pardos cresceram 1 ponto percentual -eram 54,3% em 2015 e passaram a 55,3% em 2016. A região é a única das mais ricas do país que tem predominância de pardos em detrimento de brancos. Negros cresceram 0,5 ponto percentual e atingiram 6,9% em 2016. Os brancos registraram queda de 1,6 ponto percentual na mesma base de comparação: saíram de 38,6% para 37%.

Na região sudeste, a mais rica do país, pardos cresceram 0,6 ponto percentual e atingiram 37,6% em 2016. Pretos tiveram incremento de 0,4 ponto percentual, com 9% da população que se declarava como tal em 2016. Os brancos tiveram queda de 1,5 ponto percentual -eram 53,7% em 2015 e passaram a 52,2% no ano seguinte.

Como a população brasileira se autodeclara

Como a população brasileira se autodeclara

Como entender um Brasil tão diverso com esses elevados níveis de discriminação racial? Em um Estado democrático de direito, importantíssima é a política de dados abertos. Dados do IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que 54% da população brasileira é negra. Dados do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de 2016, mostram que mulheres brancas recebem 70% a mais que mulheres negras. Entender o Brasil é inter-relacionar questões, informações, dados de gênero, etnia e também de classe social. A professora Eunice Prudente cita a obra de Angela Davis, Mulheres, Raça e Classe, que aborda o racismo, o movimento antiescravagista, feminismo e outros vários temas.

Buscando destacar a mulher, há algumas datas que merecem ser lembradas; 25 de julho foi o Dia Internacional da Mulher Negra, Latina e Caribenha. A data surgiu a partir de um encontro de mulheres negras, latinas e caribenhas na República Dominicana, em 1992. No Brasil, nesta mesma data, durante o primeiro governo de uma mulher presidente, Dilma Rousseff, se acrescenta uma data de reflexão com o Dia Nacional de Teresa de Benguela e da Mulher Negra. Teresa de Benguela foi uma liderança feminina, quilombola, do século 18. Isso é valorização da cidadã negra, cumprimento da lei de diretrizes e bases da educação, trazendo as lideranças femininas desconhecidas.

A professora Eunice, quando aborda a questão da mulher negra, lembra que “é preciso estudos e pesquisas inter-relacionadas entre gênero, etnia e classe social, tendo em vista os índices da pobreza, como relatam os órgãos do governo, que mostrem a situação socioeconômica, a desigualdade social e a família negra. A mulher negra, na base dessa pirâmide, sofre uma tripla discriminação”.

Educação e Direitos
A coluna Educação e Direitos, com a professora Eunice Prudente, vai ao ar toda sexta-feira às 8h30, na Rádio  USP (São Paulo 93,7 FM; Ribeirão Preto 107,9 FM) e também no Youtube, com produção do Jornal da USP e  TV USP. 

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A proporção de brasileiros que se declaram pretos --grupo que, com os pardos, forma a população negra, de acordo com os critérios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)-- foi a única que cresceu em todas as regiões do país entre 2015 e 2018, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua feita pelo instituto.

Em pontos percentuais, o maior avanço ocorreu no Centro-Oeste, indo de 6,4% da população em 2015 para 9,2% em 2018 (2,8 pontos percentuais). No Nordeste, que tem a maior proporção de pretos no país, a população deste grupo foi de 9,2% para 11,3% (2,1 pontos percentuais).

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No Sudeste, os pretos são 9,9% da população (aumento de 1,3 ponto percentual). O grupo representa 7,1% dos habitantes do Norte (avanço de 0,7 ponto percentual) e 4,8% dos do Sul (crescimento de 1,2 ponto percentual).

A Pnad Contínua 2018 também informou as mudanças nas populações branca e parda. A primeira diminuiu em todas as regiões. A segunda só avançou na região Sul.

Mesmo com as mudanças, os grupos majoritários em cada região não tiveram alteração em 2018. Os brancos continuam sendo maioria nas regiões Sul (73,9%) e Sudeste (50,7%), assim como os pardos no Norte (71,8%), Nordeste (63,2%) e Centro-Oeste (53%).

No Brasil como um todo, o maior aumento em pontos percentuais também é da proporção da população preta, que saiu de 7,4% em 2012 para 9,3% seis anos depois. Os pardos foram de 45,3% para 46,5%. Os brancos, por sua vez, eram 46,6% da população e chegaram a 43,1%.

Segundo Maria Lúcia Vieira, gerente da Pnad Contínua 2018, o crescimento da população parda é "natural e esperado" por causa da miscigenação da população ao longo do tempo. O avanço da população preta se deveria ao aumento na autodeclaração.

Uma questão que pode ter influenciado para este dado é a presença de políticas afirmativas para redução das desigualdades raciais, diz a pesquisadora. Um exemplo deste tipo de medida é a implantação de cotas raciais em universidades públicas.

Vieira explica também que seria necessário verificar se a taxa de fecundidade da população preta, especificamente, é maior do que a dos outros grupos, mas ainda não há esse dado. A taxa de fecundidade é a estimativa de filhos que uma mulher tem ao longo da vida.

Infraestrutura desigual entre regiões

A Pnad Contínua 2018 também traz dados sobre serviços de água, esgoto e lixo que apontam as desigualdades de infraestrutura entre os domicílios das diferentes regiões do país.

No Norte, 58,9% têm acesso à rede de água, contra 92,4% no Sudeste. Mesmo o acesso à rede não é garantia de fornecimento constante. No Nordeste, por exemplo, 26,1% da população ligada à rede de água não consegue usá-la todos os dias. No Sul, este percentual é de 1,9%. No Brasil como um todo, o índice é de 10,2%.

A discrepância também existe quando se trata de coleta de esgoto. No Norte, só 21,8% dos domicílios são ligados à rede geral. O maior percentual está no Sudeste (88,6%). Em todo o país, 66,3% dos domicílios têm coleta de esgoto. Os índices de domicílios com coleta de esgoto tiveram pouca variação entre 2016 e 2018.

Os números sobre coleta de lixo mostram as regiões Norte (17,6%) e Nordeste (15,3%) com os maiores percentuais de queima de lixo dentro de propriedades. No Sudeste, a proporção deste tipo de descarte é de 2,7%. A região tem o maior percentual de domicílios com coleta diária de lixo: 91,1%.

De acordo com Maria Lúcia Vieira, os indicadores das regiões Norte e Nordeste são, em geral, piores do que o do restante do Brasil desde que a pesquisa é feita, em 2012. Mas, segundo ela, há avanços.

"Em termos de acesso a serviços, esgoto e lixo, a gente vê que os indicadores estão melhorando", diz.

No entanto, a velocidade desta evolução depende de outros fatores, como se os serviços de água, esgoto e lixo estão acompanhando o crescimento dos locais pesquisados. "E aí tem a ver com como as regiões cresceram, se foi planejado, organizado ou não."

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