O que fazer quando for mordido por escorpião

O escorpião (Tityus serrulatus) é o animal peçonhento que mais mata no Brasil. Uma ferroada pode ser fatal e provocar ataque cardíaco e edema pulmonar, sobretudo em idosos e crianças. De acordo com o Ministério da Saúde, só em 2019, foram mais de 156 mil casos de envenenamento por escorpião registrados no país, levando 169 pessoas à morte.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo demonstraram, pela primeira vez, que nos casos severos de escorpionismo ocorre uma reação neuroimune sistêmica com produção de mediadores inflamatórios que levam à liberação de neurotransmissores. O estudo publicado na revista Nature Communication sugere ainda que o bloqueio do processo inflamatório pode ser realizado por meio do medicamento corticoide, o qual deve ser administrado quase que imediatamente após a picada.

Já é sabido que, além da reação inflamatória local que causa fortes dores, mas não leva à morte, a peçonha do escorpião pode ainda desencadear reação inflamatória sistêmica, que tem como resultado edema pulmonar (acúmulo de líquido no pulmão), alterações no coração e consequente dificuldade para respirar.

"Apesar de o mesmo grupo ter desvendado em artigo prévio o mecanismo inflamatório que leva ao edema pulmonar e à morte nos casos graves, o impacto do envenenamento no coração e a relação entre os neurotransmissores e mediadores inflamatórios ainda não eram claros. Havia uma discussão sobre quem seriam os vilões, os neurotransmissores ou os mediadores inflamatórios. Também havia a discussão sobre o que ocorre primeiro, o edema pulmonar que leva às alterações no coração, ou o contrário. Nosso estudo sugere que mediadores inflamatórios produzidos nos pulmões, além de induzirem o edema pulmonar, também afetam o coração, via os neurotransmissores. É o processo inflamatório que causa uma série de danos e que, se não for bloqueado o quanto antes, pode levar à morte", diz Lúcia Helena Faccioli , professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo), que liderou o estudo.

O trabalho foi desenvolvido com o apoio da FAPESP durante o doutorado de Mourzallem Barros dos Reis , no âmbito de um Projeto Temático coordenado por Faccioli na USP.

No estudo realizado em camundongos, os pesquisadores analisaram o processo inflamatório desencadeado pelo envenenamento e a relação com os neurotransmissores. Após a ferroada, a peçonha do escorpião se alastra rapidamente até atingir a circulação sanguínea do animal. Nos casos severos, o reconhecimento da peçonha por células de defesa (macrófagos) resulta na liberação de mediadores de inflamação, sobretudo interleucina IL-1? (1 beta), que leva à produção de PGE2 (prostaglandina-2), que, por sua vez, induz a produção do neurotransmissor acetilcolina. Produzidos no pulmão, esses mediadores promovem tanto o edema pulmonar quanto as alterações cardíacas.

"São esses mediadores, produzidos no pulmão em resposta à peçonha, que vão ativar a produção do neurotransmissor acetilcolina, que tem impacto muito grande no coração por estar relacionado ao controle do tônus (batimento) cardíaco. É esse neurotransmissor que vai fazer com que o coração bata descompassado. Em um mesmo processo, temos edema pulmonar e distúrbios do coração", explica Faccioli.

Em estudo anterior, publicado em 2016, o grupo de pesquisadores já havia demonstrado que o edema no pulmão é resultado da ativação de um complexo proteico existente no interior das células de defesa - o inflamassoma que induz a produção de IL-1?. Mostraram ainda que esse processo é regulado por mediadores lipídicos, sendo ativado pela PGE2 e inibido pelo leucotrieno B4 (LTB4). No entanto, ainda não tinham demonstrado a interação neuroimune e o papel determinante da acetilcolina.

Bloquear o processo o quanto antes

Outro achado do estudo foi a demonstração da necessidade de inibir o processo neuroimune desencadeado pelos mediadores inflamatórios o quanto antes para que o paciente não atinja o que os cientistas estão chamando de "ponto de não retorno", quando os efeitos dos mediadores já estão tão críticos que já não há mais como promover melhora.

"Demonstramos que a utilização do anti-inflamatório corticoide (dexametasona) até 30 minutos após o camundongo receber a peçonha ainda evita a morte do animal. O intuito foi bloquear o processo inflamatório antes que fosse impossível revertê-lo. É importante ressaltar que o estudo foi realizado em camundongos, portanto, não é possível extrapolar o tempo de não retorno para humanos", diz Faccioli.

A pesquisadora informa que a administração quase imediata de corticoide não anula a necessidade do uso do soro (anticorpos que bloqueiam a atuação da peçonha). "A dexametasona vai bloquear o processo que gera o neurotransmissor acetilcolina e, com isso, inibir os danos pulmonar e cardíaco. Já o soro é importante para inibir outros possíveis efeitos das toxinas da peçonha que também podem gerar dano ao indivíduo, como o tecidual.

"Em estudos anteriores mostramos que a indometacina e o celecoxibe podem evitar, ou pelo menos minimizar a reação inflamatória induzida pela peçonha e evitar a morte. No entanto, esses medicamentos podem não ser efetivos em 100% da população. A dexametasona, embora possa induzir efeitos colaterais em uma pequena parcela da população, é muito mais eficiente", diz. (Leia mais em: https://agencia.fapesp.br/22732/). O uso inadequado de corticoides pode trazer riscos importantes para o organismo. É importante buscar orientação médica no que diz respeito à dose e à duração do tratamento.

Serpentes

Outro estudo realizado pelo grupo de Faccioli, e publicado na revista Archives of Toxicology, mostrou que além de toxinas, que são proteínas, as peçonhas de jararacas (Bothrops moojeni) e de cascavéis (Crotalus durissus terrificus) também possuem lipídios - o que pode vir a explicar uma série de efeitos biológicos do envenenamento.

"E se tem lipídio é sinal de que existe uma função biológica. A análise bioquímica da peçonha de jararacas e cascavéis mostrou que entre os lipídios presentes existe um semelhante ao fator agregador de plaquetas. Isso significa que a formação de trombo após picadas de serpentes pode ser resultado da presença destes lipídios. E é o que se tem normalmente após as picadas de serpente: coágulo e trombose", diz Faccioli.

A descoberta, portanto, acrescenta um maior entendimento sobre os mecanismos que levam a complicações por causa da peçonha. "Sem contar que esse lipídio também é importante para induzir inflamação", diz.

A descoberta e a análise lipídica da peçonha das serpentes tiveram abordagem com base em cromatografia líquida e espectrometria de massa de alta resolução que permitiu identificar, pela primeira vez, vários dos lipídios que constituem a peçonha de jararacas e cascavéis.

O trabalho foi desenvolvido com o apoio da FAPESP durante o pós-doutorado de Tanize dos Santos Acunha , também no âmbito do Projeto Temático coordenado por Faccioli na USP.

A pesquisadora explica que a peçonha é uma substância complexa, composta por moléculas com uma ampla gama de funções biológicas que causam manifestações locais e sistêmicas. A despeito da variedade de estudos focados na composição da peçonha e seus efeitos, a maioria é focada na fração proteica (toxinas), sem haver maior atenção na fração lipídica.

Na edição desta sexta-feira (14) do quadro Correspondente Médico, do Novo Dia, o neurocirurgião Fernando Gomes explicou o que fazer após uma picada de escorpião. Em Franca, no interior de São Paulo, uma menina de três anos foi picada pelo animal. Ela está internada na Santa Casa do município sem previsão de alta, mas não corre risco de morrer.

Gomes detalhou o que acontece no corpo logo após uma pessoa ser picada por escorpião. “A picada é caracterizada por uma dor muito intensa, tem inflamação no local e o veneno do escorpião acomete o sistema nervoso autônomo.”

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“Por isso, algumas alterações no corpo podem aparecer: náuseas, vômitos, dificuldade para respirar. A pressão arterial pode cair, sensação de mal-estar intensa pode surgir. Não é uma picada qualquer, precisa ficar atento para reconhecer o que está acontecendo e buscar tratamento imediato”, alertou o médico.

Os primeiros-socorros para a picada de escorpião incluem lavar a região com água e sabão, fazer compressa morna no local e buscar atendimento médico o quanto antes e, se possível, levar o animal. “Não adianta chupar o veneno ou fazer torniquete, não é para fazer isso. Existe um soro antiescorpiônico para neutralizar o veneno. Então, levando o animal, fica mais fácil para identificar qual o escorpião que picou.”

O que fazer quando for mordido por escorpião
No quadro Correspondente Médico, dr. Fernando Gomes explica o que fazer em casos de picada de escorpiãoFoto: Reprodução/CNN Brasil (14.mai.2021)

O que fazer quando for mordido por escorpião

Recentemente, foram publicadas na mídia diversas notícias sobre picadas de escorpião no estado de São Paulo, em alguns casos levando à morte. Quanto menor a criança, os efeitos tendem a ser mais graves, por causa da relação de seu peso com o veneno inoculado. Como este tema assusta os pais, consultamos nossos especialistas para esclarecer algumas dúvidas.

O soro antiescorpiônico é eficaz e pode ser usado em crianças pequenas?

O soro funciona e pode ser usado em todas as idades, inclusive abaixo de 7 anos. A gravidade dos acidentes escorpiônicos e, consequentemente, o risco de morte, é muito maior entre as crianças do que entre os adultos. Habitualmente, quanto menor a criança, maior a gravidade do acidente devido à relação entre o veneno inoculado e o peso da criança.

Sempre que houver picada de escorpião, o soro antiescorpiônico é recomendado?

Os acidentes escorpiônicos são classificados em leves, moderados e graves, de acordo com os sintomas. Nos acidentes moderados e graves e em todas as crianças menores de 3 anos existe indicação do uso de soro antiescorpiônico.

Quais são os sintomas após a picada?

Além de dor no local, que acontece em todos os casos, pode haver náuseas, taquicardia, agitação, sonolência, sudorese, vômito, hipertensão, entre outros.

Crianças correm mais risco de morte?

Sim. Quanto menor a criança, maior a gravidade. Os principais fatores que influenciam o risco de morte são o tipo do escorpião e a idade (o risco de morte é maior em pacientes menores de 14 anos).

Outro fator que influencia o risco de morte é o tempo decorrido entre a picada e a administração do soro, sendo muito mais elevado entre os pacientes atendidos após 6 horas, do que entre aqueles que recebem soro até uma hora após o acidente.

Portanto, em caso de picada por escorpião ou outro animal peçonhento, quanto mais rápido o paciente for levado ao serviço de saúde, maior a chance de sucesso no tratamento.

O que fazer em caso de picada de escorpião?

O paciente deve ser levado rapidamente a um serviço de saúde. Até chegar, podem ser administrados analgésicos para alívio da dor.

Algumas dicas:

  • Não utilizar garrotes ou torniquetes;
  • Não fazer incisões no local da picada;
  • Não aplicar querosene, amoníaco, e outras substâncias no local da picada;
  • Não administrar bebidas alcoólicas;
  • Manter o paciente em repouso, evitando caminhar;
  • Manter o paciente hidratado.

O Hospital Infantil Sabará tem soro?

Não.

Onde encontro soro?

Em São Paulo, o soro é fornecido pelo Hospital Vital Brazil, que funciona dentro do Instituto Butantan e é referência para acidentes com animais peçonhentos (cobras, aranhas, escorpiões). Funciona todos os dias, 24 horas.

Como evitar uma picada de escorpião?

  1. Usar calçados e luvas nas atividades rurais e de jardinagem.
  2. Examinar calçados e roupas pessoais, de cama e banho, antes de usá-los.
  3. Não acumular lixo orgânico, entulhos e materiais de construção.
  4. Vedar frestas e buracos em paredes, assoalhos, forros e rodapés.
  5. Utilizar telas, vedantes ou sacos de areia em portas, janelas e ralos.
  6. Manter limpos os locais próximos das residências, jardins, quintais, paióis e celeiros.
  7. Combater a proliferação de insetos, principalmente baratas e cupins.
  8. Preservar predadores naturais, como seriemas, corujas, sapos, lagartixas e galinhas.
  9. Limpar terrenos baldios pelo menos na faixa de um a dois metros junto ao muro ou à cerca.

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