A ditadura militar prejudicou a democracia por que

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Este artigo aborda as violações aos direitos humanos durante a Ditadura Militar (1964-1985) em três tópicos: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH); Tortura e Censura na Ditadura Militar; e Comissão Nacional da Verdade.

A compreensão de que os agentes do Estado brasileiro cometeram crimes contra os direitos humanos fundamenta-se na Declaração Universal desses direitos chancelada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no pós-Segunda Guerra Mundial.

Entre os principais atos arbitrários cometidos durante o Regime Militar brasileiro condenados na carta das Nações Unidas estão a censura aos meios de comunicação, as prisões arbitrárias, as torturas, os assassinatos e os desaparecimentos de corpos dos opositores do Regime.

Com o fito de reparar as mazelas ocorridas durante esse Regime, constituiu-se a Comissão Nacional da Verdade (CNV) em busca da memória das vítimas e das famílias e de compensá-las materialmente e moralmente.

Para compreender como ocorreram e do que se trataram as violações aos diretos humanos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), é necessário saber a origem na história recente da noção de direitos humanos. A elaboração de uma carta listando os direitos humanos está relacionada ao resgate da concepção iluminista de direito natural. Grosso modo, de acordo com o pensamento iluminista, podem-se levar em conta alguns princípios como evidentemente bons em si mesmos e, por isso, deveriam ser considerados direitos naturais da humanidade. A concepção da existência de direitos naturais do homem pode ser encontrada até mesmo em pensadores anteriores ao jusnaturalismo e até os dias atuais é pensada no campo do direito universal.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os relatos sobre o processo de desumanização nos campos de concentração nazistas impressionaram a comunidade internacional. Para consolidar a atuação do Estado de Direito e supostamente coibir ações arbitrárias e desumanas executadas por agentes dos Estados, a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) deteve-se sobre a elaboração de uma Carta de direitos com garantias fundamentais para a dignidade humana. Em 10 de dezembro de 1948, reuniu-se a Assembleia Geral das Nações Unidas para construir essa Carta de direitos idealizada pelo canadense John Perters Humphrey. Entre os cinquenta e seis países-membros da ONU, quarenta e oito votaram a favor da Declaração e oito abstiveram-se do voto.

Os temas dos trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos podem ser divididos em quatro tipos de liberdades: liberdade da palavra e da livre expressão, liberdade de religião, liberdade por necessidades e liberdade de viver livre do medo. Essas liberdades fundamentais propostas na Declaração estão circunscrita ao escopo do liberalismo clássico. No entanto, há um descompasso entre o que politicamente é proposto pelo liberalismo e as práticas socioeconômicas liberais. Desse modo, estão na Carta dos direitos humanos, por exemplo, o direito à vida, à habitação, ao trabalho, contudo, tais direitos não são assegurados na grande maioria dos países que adotam a política econômica liberal.

Apesar dessa dissonância entre a letra da lei dos direitos universais e as práticas adotadas correntemente e também da limitação do marco liberal dessa carta, há por parte de movimentos sociais a reivindicação do cumprimento dos direitos estabelecidos na Declaração e em outros tratados internacionais referentes aos direitos humanos. Assim, ocorreu durante o Regime Militar, em que os prisioneiros escreveram um documento denunciando as torturas e mortes ocorridas no cárcere. Essa denúncia persistiu em outros documentos e, em 2013, a Comissão Nacional da Verdade continuou a requisição de reparação dos danos provocados por agentes do Estado aos opositores do Regime.

O primeiro documento a denunciar os tratamentos desumanos nos cárceres do Regime Militar partiu dos próprios prisioneiros. Em 1970, os presos políticos enviaram uma carta denunciando as torturas ocorridas nas prisões ao congresso de jornalistas realizado na cidade de Salvador (BA). Malgrado soubessem que a denúncia não seria difundida no Brasil por conta da censura que sofriam as mídias, os presos políticos acreditavam que ela chegaria aos países estrangeiros.

O historiador Jacob Gorender, que à época era prisioneiro político, relatou como essa carta foi redigida e as cópias entregues à direção do presídio, ao Sindicato Profissional dos Jornalistas de São Paulo, à Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais, ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e às autoridades militares da segunda região. Essas cópias não chegaram para as entidades às quais se destinaram, foram encaminhadas ao Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS). No entanto, uma das cópias foi encaminhada secretamente ao exterior e foi divulgada em jornais de países da Europa e da América Latina. Em 1972, longo trecho da carta constou no Relatório da Anistia Internacional. (Cf. GORENDER, 2014:252-253)

Em 1971, foi publicado na França o livro Pau de Arara: a violência militar no Brasil por iniciativa do jornalista e militante político brasileiro Luiz Eduardo Merlino. O idealizador do livro Pau de Arara havia militado em duas organizações clandestinas no Brasil — a Política Operária (POLOP) e o Partido Operário Comunista (POC) — e quando pensou no projeto do livro estava exilado na França. O livro Pau de Arara foi uma das primeiras iniciativas de denúncia às torturas cometidas por militares nos cárceres da ditadura e divulgou o manifesto dos presos políticos de 1970. Ao retornar ao Brasil, em julho de 1971, em pleno ápice da ditadura militar, Merlino foi preso e sofreu horas de tortura que o levaram à morte no cárcere do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna).

O livro Pau de Arara foi escrito pelos jornalistas Bernardo Kucinski e Ítalo Tronca. O livro trata de como a violência militar se desenvolveu desde a década de 1930 até o período do Regime Militar (1964-1985). A própria escolha do nome do livro se deu por ser um método de tortura criado no Brasil. O pau de arara é um instrumento de sevícias em que o preso fica suspenso em uma barra de madeira ou de ferro entre os joelhos e os antebraços do torturado.

Segundo relatou Kucinski, o tema central do livro concentrou-se nos métodos de interrogatório e tortura nos cárceres, realizados por militares, no entanto, havia casos muito mais graves que ocorreram posteriormente e que não eram conhecidos pelos autores devido à censura. Esses casos eram, de acordo com Kucinski: “a Casa da Morte, os desaparecimentos, a entrada dos criminosos na repressão, a repressão no Araguaia...” e asseverava: [...] Eu sempre penso nisso, de como as coisas se tornaram tão piores.” (KUCISKI, 2013)

O livro Pau de Arara somente foi publicado no Brasil em 2013. O livro foi publicado na época em que a Comissão Nacional da Verdade estava em vigência, denunciando as graves violações aos direitos humanos durante o Regime Militar.

Comissão Nacional da Verdade (CNV)

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada no Brasil, seguindo o modelo de outras comissões que denunciaram graves violações aos direitos humanos cometidos por regimes autoritários pelo mundo. Entre os anos de 2011 e 2014, a CNV realizou as pesquisas e audiências de vítimas e algozes do Regime Militar a fim de investigar os casos de torturas e de mortes cometidas pelos agentes do Estado.

Devido aos empenhos da CNV, o Estado brasileiro foi responsabilizado pelo desaparecimento dos corpos dos guerrilheiros do Araguaia, bem como por outros casos de torturas, desaparecimentos de corpos, prisões ilegais, perseguições políticas e aposentadorias compulsórias ocorridos durante o Regime Militar. As vítimas e familiares das vítimas receberam indenizações do Estado e, em muitos casos, tiveram o acesso aos restos mortais de desaparecidos e o parecer desvendando como ocorreram as torturas e as mortes.

Referências:

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/ Acessado em 19 de abril de 2020 às 10h e 16m.

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório/ Comissão Nacional da Verdade. Vol. 1. Brasília: CNV, 2014. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_digital.pdf. Acessado em 08 de fevereiro de 2020 às 9h e 53m.

_______. Direitos Humanos: Atos Internacionais e Normas Correlatas. 4ª Edição. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2013.

GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo: Fundação Perseu Abramo/Expressão Popular, 2014.

KUCINSKI, Bernardo & TRONCA, Ítalo. Pau de Arara: a violência militar no Brasil. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2013.

Este ano completam-se 50 anos do Golpe Militar ocorrido no Brasil em 1964. A data é um momento importante para lembrar e debater sobre o período de mais de 20 anos que o país esteve sob Ditadura Militar, opressora e violenta, que limitou direitos, censurou a imprensa, torturou e matou opositores. Para falar sobre o tema, o Jornal UFG e a TV UFG (Programa Conexões) realizaram um debate com os professores da Universidade Federal de Goiás, Noé Freire, da Faculdade de História (FH), Pedro Célio Alves Borges, da Faculdade de Ciências Sociais (FCS), e Juarez Maia, da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC).

Quais foram as condições políticas, sociais e econômicas que permitiram o Golpe Militar com pouca resistência a ele?

Noé Freire

Nóe Freire - Acho fundamental contextualizar o governo João Goulart, que se encontrava em um momento de polarização ideológica e política, com um projeto de reforma de bases que o presidente alavancava com dificuldade. O governo foi isolado pelo Congresso e restou a ele o apelo às ruas. Nas ruas, rompeu-se o pacto que permitia alguma articulação política do presidente. A sociedade se polarizou, o grupo conservador também fez marchas e começou a articular o Golpe. Na verdade, o desfecho do Golpe era esperado, mas a reação a ele foi uma reação menor, porque acabou tirando a possibilidade de ação política dos partidos e da população. A reação veio posteriormente, uma reação diminuta no primeiro momento, mas, no segundo momento, a sociedade brasileira reagiu e essa reação levou ao endurecimento da Ditadura.

Pedro Célio Borges - É muito importante essa observação do professor Noé Freire, porque todo ato político marcante na história de uma nação é avaliado depois pelo grau de legitimidade obtido, e o Golpe Militar brasileiro teve uma reserva de legitimidade assegurada. Imaginem, naquela época, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, passeatas, marchas com 500 mil, um milhão de pessoas nas ruas, contra o governo Goulart, contra a tendência, que se dizia esquerdizante. No contexto interno, o Golpe se apoiava nisso, e do ponto de vista internacional também. Essa polarização, a qual o professor Noé Freire se referiu, foi entendida no plano internacional. Vivíamos momentos fortes da Guerra Fria, em que qualquer possibilidade de autonomia nacional no Terceiro Mundo era vista como vínculo com a União Soviética. As forças do Ocidente, lideradas pelos Estados Unidos, entraram bravamente no Brasil para articular o Golpe. Golpe Militar é uma expressão que reduz muito a qualidade explicativa daquele momento. O golpe foi militar, mas também civil. Sem o forte apoio das forças civis, na Igreja Católica, entre as lideranças partidárias e no Congresso Nacional, ele não teria legitimidade. No Estado de Goiás, por exemplo, o governador Mauro Borges, um democrata, nacionalista, que convivia muito bem com os agrupamentos de esquerda regional, apoiou o Golpe Militar no mês de março daquele ano. Só depois, no mês de novembro, que as forças de apoio perceberam o golpe em que caíram, se desgarraram-se e passaram para a oposição. Foi quando Mauro Borges se tornou um opositor ao Regime Militar.

Durante os mais de 20 anos do regime, houve apoio civil e político à Ditadura?

Noé Freire - É preciso pensar a história do Golpe em seus vários momentos. Uma coisa é a articulação do Golpe, com o presidente Castelo Branco, e a ideia de que a tomada de poder tinha um braço civil forte. É possível acreditar que havia um projeto de devolução dos poderes civis. Isso modifica a análise postura de Mauro Borges, além de mostrar que o Golpe precisa ser pensado no tempo. Houve um apoio civil, houve legitimidade. Mas, historicamente, percebeu-se que o endurecimento do Regime e a formação da oposição, principalmente com o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) se fortalecendo nas eleições de 1974, modificaram a dinâmica do Golpe. Então, uma coisa é pensar o Regime em 1964, outra é pensá-lo com o Presidente Médici (1969) e ainda outra é pensar o Regime com a Anistia (1979). Evidentemente, o Golpe de 1964 teve uma hegemonia militar, mas os civis não perderam a articulação, mesmo porque existiam uma vida partidária e interesses sendo efetivamente trocados.

Pedro Célio Borges - Observamos no período da Ditadura algumas datas emblemáticas. O Golpe de 1964, com sua natureza autoritária, ditatorial e agressiva, só se confirmou em 13 de dezembro de 1968, quando foi editado o Ato Institucional 5 (AI-5), embora, no segundo mês após o Golpe, já tivesse sido editado o Ato Institucional 1, que acabou com os partidos políticos, fechou o Congresso Nacional, cassou mandatos de muitas lideranças, prendeu sindicalistas, perseguiu o Movimento Estudantil, prendeu a Inteligência Nacional e decretou censura aos jornais. O teor repressivo apareceu desde o início, mas não se consolidou porque passava por muitas negociações internas entre as forças que apoiavam o Golpe. Havia a expectativa de devolução do poder às forças civis, ainda que de direita, o que a cada ato não se confirmava, e isso se consumou com o AI-5. Como foi a Ditadura em Goiás e a reação a ela?

Pedro Célio Borges - Os efeitos do Regime Político Militar na sociedade goiana foram muito intensos, do mesmo modo que no restante do Brasil. Foram causados prejuízos enormes para a trajetória que o Estado de Goiás e o país vinham seguindo, em termos de uma nação que queria se modernizar e ter um povo livre, capaz de construir suas expectativas, suas instituições e de exercitar a autonomia tão necessária para que sua juventude e seus grupos sociais pudessem se desenvolver.

Noé Freire - Existe também o depoimento de anistiados na Anigo (Associação dos Anistiados pela Cidadania e Direitos Humanos do Estado de Goiás), que recompõe um pouco essa história. Dentro da UFG, nesse período, não só o movimento estudantil foi cerceado, como também o Centro de Estudos Brasileiros (CEB), que era bastante avançado e reunia várias áreas das Ciências Humanas na UFG, foi fechado.

Pedro Célio Borges - Um dos maiores crimes da Ditadura foi reprimir o exercício da inteligência. Para que ele exista, é preciso liberdade, que é algo que define a universidade, a liberdade de crítica, de ideias, de posições e ações. Em Goiás, o peso da UFG era muito grande, então o que acontecia na universidade tinha uma repercussão enorme no conjunto das instituições políticas. Havia o Movimento de Delatores, de pessoas civis, a serviço da perseguição política dos seus opositores. Isso aconteceu intensamente na universidade.

Juarez Maia

Juarez Maia - Resistência e repressão ocorreram em momentos diferentes. Houve uma repressão generalizada contra todos os setores da pequena burguesia, classe média, intelectuais de Goiás, na imprensa, principalmente, durante o período do interventor Beira Matos em Goiás. Outra coisa foi a resistência, da qual eu tive a oportunidade de participar. Após a queda de Mauro Borges, houve uma quebra institucional em Goiás que levou o Estado a ser submetido às forças da repressão, principalmente, por meio das Forças Armadas do Brasil.

Muitos professores e alunos foram expulsos da universidade por causa do vínculo com movimentos contrários a Ditadura?

Pedro Célio Borges - A universidade criou instrumentos que legalizaram ações ilegítimas, repressivas. O decreto/lei 477 é uma sequência do AI-5 para as instituições de ensino, universidades e escolas secundaristas. No caso da UFG, o decreto fez com que o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade fosse fechado. Deixaram de existir, portanto, a ação estudantil, os debates de problemas da vida nacional, social. Os estudantes foram presos, exilados, expulsos de seus cursos.

Noé Freire - Embora tenha existido esse clima, é preciso também afirmar que o movimento estudantil e a população civil nunca deixaram de debater os problemas do país. Evidentemente, houve momentos de fechamento, desarticulação, mas de um modo geral, os estudantes e a própria universidade conseguiram dar respostas.

Pedro Célio Borges - Foi a chamada resistência democrática.

Juarez Maia - Fui uma das vítimas do Decreto 477, que dava direito ao governo militar de expulsar das universidades ou das escolas secundárias qualquer aluno considerado subversivo. Principalmente na UFG, vários estudantes foram afastados por causa desse decreto.

A resistência democrática foi imprescindível para o fim do Golpe Militar?

Noé Freire - Acredito que essa resistência era a manifestação da sociedade civil, por meio da cultura, da universidade, do movimento estudantil. A resistência foi a chave para que, posteriormente, tivéssemos condições políticas de alavancar a sociedade civil. A anistia, que surgiu em 1979, em meio ao Regime Ditatorial com Figueiredo, foi parte desse projeto. A sociedade, embora pressionada pelos instrumentos da repressão, nunca permaneceu inerte e foi essa resistência que permitiu a mudança do Regime.

Pedro Célio Borges - O Golpe instala um ambiente de medo e de terror na vida do Estado. A sociedade reage, mas com o cidadão sempre com medo de perder o emprego no serviço público, nas universidades, ser preso, assassinado, ter a família prejudicada. A resistência sempre ocorreu, mas em alguns momentos havia com mais intensidade o medo e o terror. No período Médici, isso ficou muito evidente até 1976. A reação da sociedade foi algo notável, independentemente da orientação que os grupos e as lideranças tiveram na eleição de 1974. Hoje, os historiadores colocam esse ano como o momento em que o Regime Militar começou a perder legitimidade. Entre 1974 e 1978, há mais reviravoltas, o Regime Militar tentou reforçar a censura na imprensa e diminuir a frágil representação parlamentar da sociedade com o senador “biônico” – eleito indiretamente por um Colégio Eleitoral –, em 1977, mas em 1978 surgiram as greves operárias no ABC Paulista; em 1979, a Anistia; em 1982, o retorno das eleições diretas para governador de Estado, em que alguns anistiados, ex-perseguidos, voltaram, disputaram e ganharam as eleições, como Iris Rezende Machado, eleito governador e Mauro Borges Teixeira, eleito senador.

Quais as consequências desse Golpe ainda na atualidade?

Juarez Maia - As consequências são muitas: a quantidade de pessoas que foram presas, torturadas e que até hoje não se recuperaram, instituições falidas e a criação de uma autocensura muito grande por causa do Regime Militar. Um dos maiores problemas que temos nas instituições dos Estados são as forças de segurança, que seguem o mesmo modelo da época da Ditadura. Não houve uma mudança dentro das Polícias Militar e Civil, para que elas se tornassem democráticas, voltadas para a proteção da população. Então, muitas vezes, as instituições, os órgãos de segurança, tratam a população como se fosse inimiga. Nossos órgãos de segurança continuam voltados a reprimir e não a proteger os cidadãos.

Noé Freire - A história do Golpe mostra uma ruptura na tradição democrática brasileira. Esse período rompeu com a perspectiva de ordenação política, mas, ao mesmo tempo, representou um outro projeto político-econômico em que o Estado se agigantou. A tecnocracia, as grandes estatais, o desenvolvimentismo modificaram o Brasil, que ampliou seu parque industrial, mas a partir de um processo conservador. A herança do Golpe é uma sociedade que precisa se reordenar politicamente dentro de uma estrutura democrática, mas com uma forte presença da tecnocracia. O Golpe criou uma estrutura política com tamanha força e persistência que ainda hoje é discutida no Brasil.

Pedro Célio Borges

Pedro Célio Borges - A tradição brasileira mostra um Estado muito forte, que precede a existência da própria sociedade. A partir do Estado, abriu-se o espaço para se formar o mercado e a própria sociedade. Essa é uma tradição patrimonialista, em que as diferentes oligarquias nas diversas regiões do Brasil vão, a partir do Estado, estimular a dinamização da vida econômica, cultural, da definição dos interesses e das projeções de desenvolvimento. 1964 inaugurou no Brasil a tarefa do Estado de ser o único intérprete e construtor do interesse nacional, desprezando mercado e sociedade de uma vez só. A Ditadura provoca um atraso imenso em toda dinamização e potencialidade da vida social. O Estado não deixa a sociedade se manifestar e se desenvolver como tal.

No ano passado, tivemos as grandes manifestações populares e vários boatos surgiram sobre a possibilidade de um Golpe de direita. Haveria possibilidades de novamente termos Ditadura no Brasil ?

Noé Freire - A história não é previsível, mas o ambiente político hoje está muito mais vinculado à uma dimensão democrática do que golpista. É claro que é preciso perceber que essas manifestações mostraram que o passado ainda está presente. Há uma memória do Golpe. O pensamento conservador não está absolutamente excluído das possibilidades políticas, ele está presente e as manifestações na internet e outros meios mostram claramente isso. A grande questão é que direita ou esquerda até certa medida perderam o sentido, as ideias são muito próximas. Falta a proposta da diferença.

Pedro Célio Borges - Acho que as instituições no Brasil estão funcionando. A Polícia Federal, procuradorias, controladorias e todos os outros aparatos de Estado, que perante à sociedade aparecem como órgãos de controle, estão coibindo excessos das ações dos diferentes atores políticos e sociais. Eu citei esses exemplos para não falar de imprensa, partidos políticos, parlamentos que são os clássicos da democracia. Estas instituições denotam a função coercitiva do Estado. Essa função, pela sequência de ciclos ditatoriais autoritários no Brasil, aparece como sendo contrária à sociedade. Nossa cultura política é uma cultura que tem medo da polícia, da postura do Estado. Estamos finalmente construindo uma consciência em que é possível entender que o Estado pode existir com funções reguladoras, no sentido de controle social, mas do próprio Estado, no sentido de garantia do direito do cidadão. Vemos exemplos em que a Polícia Federal atua contra a corrupção e isso é positivo. A inteligência nacional aprova esse tipo de atuação, não há mais o medo da polícia. Com as instituições funcionando, a possibilidade golpista fica muito menor, porque a população não apoiará.