Considerando que sobejar constitui um neologismo

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ella não faz , os talentos superiores, que satisfação nàu colheriào em ver guerrear essas sociedadezinhas, desprezarem-se umas a ou. tras, fazendo-se justiça em tal desprezo , an. nullar umas os arestos de outras, proferin. do outros aréstos igualmente ridiculos; e em vêr emfim o neologismo, que em nossos lia vros entremeárão, e do qual com muito cus. to se salvào os nossos mais atilados Autores.

Contemplado pelos olhos da tranquilla e allumiada Razão, esse spectáculo cabal sería de consolar o Philosopho da multidão de frivolos suffragios despossuido. Comparado ao formidavel Soberano, inaccessivel a attentados , por sua mesma superioridade , veria ern baixo, e bem longe de si dilacerarem-se uns a outros os barbaros Corsarios que inuteis damnificar tentárão as fronteiras de seus dominios. Mas de mui parecidos com os Sobe. fanns,

dissimular não valem taes Philoso. phos, ou os que tal nome tómão, o menor insulto e lhes é muito mais pociva que o insulto a ancia do desaggravo. Pouco sabe do que

é a Inveja, quem lhe cuida pôr more daça, com sensibilidade sobeja ; é dar-lhe (pelo contrario ) a celebridade, pela qual ella enfenece. De Bavio e Mevio ignoraria a posteridade até os nomes, se n'um de seus versos aào tirera a fraqueza de os nomear

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alguma : aviltar föra , e'desluzir com sátyra um discurso unicamente dedicado á Virtude, a avantajar as Lettras, e a inculcar a Verda. de. Só pinturas geraes permittem Philosophia e Humanidade, e é bem certo, que como ninguem as tóma por suas,

de pouca

utili. dade são; e o são ainda menos os despega.. dos mas bem parecidos retratos.

Côrra-se a cortina pois, a fim que arguir rem-me eu evite. Todavia, miseros fructos esses retratos são do accolhimento que aos Sabios o Mundo faz. Ora dizer Sabios não comprebende os que assinalamos por Erudi, los , nação pouco conhecida , pouco nunsero, sa, de pouco trato , nem por tanto mais re: prehensivel. Sào muitos delles do XVI sécu. lo ; bem alfortunados, que esta nossa éra nào conhecerào! Oxalá vivessem como elles os Physicos e os Geometras de agora! Déra menor brado o seu laror, e talvez fôra me. lhor , fôra mais valioso. De Charlatanaria dos Eruditos compoz um volume um estran. geiro Autor. Muito promette o titulo, e ain: da a não cumprir c'o titulo, antes fallaria o Autor ás Menuorias, (1) que as Memorias ao

(1) Noticias escriplus, para que fiquem çm memoria.

Depois do I.a edição d'este Tentame, me

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preconceitos, dou-a

por

mudo involuplario panegyrico, com que melhor que com al. gum outro se pavonea a franceza presumpFào. Parece que estamos, em actual escàibe com a Inglaterra : instruidos, e por ella alluniados, sabimos avante, e das Sciencias exactas já abarbamos co' ella, quando ella haurir vem agrado, gosto, e methodo em possos livros, e de que os seus falléeem. Haja grande lento que não são elles os mesmos Mestres.

Contribuirão tanto os nossos Litteratos á mania e ao progresso do Inglezismo, que al tamente lhes compéte proteger , e respeitar sua feitura; já se lisonjéào que a consideração que denotão á cerca dos estrangeiros, Jhes será paga ao mesmo preço; e que tornados a suas terras celebrarào esses estrangeiros aquelles que os admirárão , e darão , pelos seus escriptos, a conhecer á França, thesouros encobertos de que ella nào fazia alar. de. É o que se chama tomar para a Fama o grão rodeio : verdade é, que em tal caso ; a estrada mais comprida é a menos tormento

e com tanto que essa fama abique á praia, a aguarda resoluto o soffrimento.

Vezes ha , em que da Patria nos estrangeiramos, mettendo 300 léguas entre a Inveja o nós, consados de luttar com ella em vão : €

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mente com esta matéria, que é importante.

Por direitos da Natureza, diga a lisonja, diga a soberba , ou a parvoice o que ella quizer ; iguáes são os Homens todos : na necesșidade que uns tem dos outros subsiste essa igualdade, e mais subsiste na precisão de vivermos em sociedade. Ora , essa igualdade, como que a destrúe a desigualdade de convenção, que distinguindo planas, prescreve a cada um certos deveres externos. Digo externos, por quanto os internos e de realidade, são perfeitamente iguáes para todos, dado

que na specie differentes. É a fallarmos só dos estados extremos, tão rigorosa é para o intimo vassallo a obediencia ao soberano , como a este guardar-lhe justiça.

Tres distincções principalmente lavrão entre os humanos , Talento, Prosapia , e Cabedal Nào estranhem nomear eu o Talento an. tes do mais; com effeito a differença verdadeira de Homem a Homem tem no talento a base. A dar todavia superioridade ao que mais contribue para a felicidade na vida, que mais nos independe dos outros, e aos outros mais os depende de nós ; a (n'uma palavra ) a dar ao que mais, na apparencia, nos carêa amigos, e menos manifestos inve. josos, aos cabedáes coubera o lugar primeie Mas

porque oa pauta da estima pública vem primeiros os talentos ? Porque tem elles a preciosa vantagem de não nos poderem roubar o recurso innato que nelles jaz , e que mais puro, e mais prompio, nas desgraças se alardea : e porque lambem lhes é devedora a Nação, e mui principalmente, da estima que della fazem os estrangeiros , e da ventura que lhe nasce e com que attrahe a si bandos de convizinhos, de tanta equidade como de ciúme.

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com dizer, que cabia aos Médicos ir ás casas dos enfermos. Podéra-se-lbe responder que , quando sào incurareis e contagiosas as doenças, bom é nào as ir colher, em vez de as

sanear, Se nas Côrtes fallece haver Philoso s phos, seja como o são na Republica das let

tras os lentes de Arabe ; ensinem lingua, que ninguein estude , e se exponhào a desapprendè-la , por falta de uso os mesmos Lentes.

O sabio que presta á nobreza e até á opulencia os deières que lhe impõe a sociedade d'esses mesmos devères é, em certo modo , avaro : nào lhes dá mais que o exterior : que esguarda elle, mas nunca incensa os precons ceitos da sua Nação; saúda ( que lhe é forço. so ) os idolos da plébe, mas não os vai buse car, Dais-me o caso mui raro que os necessita a fazer-lhes corle, pesados os motivos poderosos, e laudarcis ? Envolve-se no mana to da Viriude o dos Taleptos , e ri sob capa do papel que precisado representa. O nobre que o seu mérito escóra nos avoengos, é para mim um velho que fez grandes proezas, e cahio depois na infancia : e aos oibios da Razào om Homem, á cèrca do qual conviérào os outros Homens em lhe fallar n'um certo idioma, porque um seu antepassado teve (uus tantus annos ha) ingenho ou poder , ou cabedaes, vu celebridade, já por manha, ou por veutura.

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são entre o scandalo , e a hypocrisia , passão os outros entre a baixeza e o orgulho.

Devem pois renunciar á sociedade dos Grandes os litteratos ? Sem fallar pas excepções á régra que acima apponlei ; modifica

Ja, restringi-la cabe em razão de certas consideraçães particulares.

Litteratos, que nenhum lucro tirão do commercio do mundo para o scopo de seus estudos, limitem-se as sociedades ( quáes ellas sejão ) onde entre os agrados da lizura e da amizade, acertão com a necessaria desfadiga de ánimo. Que proveito colhe das nossas frivolas conversações esse Philosopho, que não seja o de lhe acanhar o ingenho, é The obstar a algumas excellentes idéias com que lhe acodisse a meditação, ou já a leitura? Não descubrio Descartes no Holcl de Rambouillet (1) a applicação da Algebra á Geometria ; nem na Corte de Carlos II Newton a Gravitação universal. Pelo que respeita o modo de escrever, Mallebranche que vivia retirado, e cujos passatempos erão como os da puericia ; esse pelo seu stylo deo aos Philosophos ó traslado que devião seguir.

() Onde se juntavão os Ingenhos da Era de Luiz XIV. TONO XVIII.

1

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quando houverão de alardear a honra e a precisão que elles tem de as amar, e de nel

las se insiruir! Parece que julgadas sejào a. 1 baixeza e a falsidade como necessarios attri

butos de Dedicatorias quando cabe serem mais acceitos para quem os recebe, mais honrosos para quem os dá, os elogios com pobreza assazonados.

E pasmão , de que em desabono do Inge. i ņho, subảo ao cume, (por humildes ) tan

tos talentos, que não passão de mediocres? Q Orphèo d'esie nosso Reino que dando rá. pido á possa Música nova face preparou uma revolução que já de longe avistamos ( a me

não valer d'outros exemplos ) foi o assumpto, I do ódio e da perseguição de gran

quantia de Mecenas ; elle que outro crime não commet, teo que não fosse o de ser superior aos protegidos. Dou por verdade, que taes boure,

entre esses Grandes que conhecerão toda a 1 valia do talento d'esse Homem célebre , e as

saz alentados para assim o pregoarem , quando os mais se privárão do contentamento de verem ratificada pelo público a sua opinião , sę virão, a seu máo grado, adstrictos a se alistarem no sentir de toda a Nação, que hou véra tambem sido o sentir delles ( sem, saberem o porque) se o illustre Compositor os houvera á cerca da sua música diguado.

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L'Abbé de St. Pierre , nuper-fallecido , pria vando-se ( tempos ba) d’uma boa quantia de seu cabedal a favor de M. Varignon, dia. zia-lbe : « Nào mezada , mas donativo : a fim que não dependáes de mim. » Heroica accão! Que modélo para Bemteitores! Só tảes o merecem ser! E quão poucos cubição de o ser assim!

E que lição este exemplo de L'Abbé de St. Pierre para uns lào avarentos, quanto vangloriosos Bemfeitores, que se dão por Páes da Litteratura por alguns minguados beneficios , desconformes de seus grandes cabedaes , e que elles com muito desvélo secreta. mente divulgão! Se a Homens honrados acodis, deixai fallar a Gratidão ; são severas as suas leis. Mas lão sofrega é a attenção no que nos dá superioridade, que della se fazem titulo , e como que tomào posse

de quem

beneficiárão, para abusarem Soberanos, da dependencia d'esse infeliz. Muito se escreveo, e com muita razão, contra os ingratos : deixárão porém em quêdo os Bemleitores; cé comtudo im. Capitulo que

falta na historia dos Tyrannos.

O grande obslaculo a medrar em opulencia é, para uma alma bem nascida , o striclo necessario. Léva com mais segurança aos póstos e ás riquezas a absoluta indigencia:

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porém ao modo com que os elles ratão, dáse a crer que foi mal posto ás Lettras o nome de Republica ; porque nada é menos répúblico que o proceder d'esses Mecenas, e o como tratão os similhantes. Dá-los-hieis por capacitados de que só a elles cabîa serem ricos: e na quadra mesma , em que lastimão indigentes entre abastanças, se lhes nomeses un Litterato , que apenas tem o absoluto necessario, logo acódens com dizer : - vive accommodado de bens. « Tem razão ( lhes -diria Diógenes ) tomará-te eu vêr um só dia, em meu lugar. »

Tem por máxima estes taes Mecenas, que deve ser pobre o Litterato, porque a pobre-za lhe aguce o ingenho, que a opulencia * costuma entorpecer e aflrouxar no exercicio seu : mas o intuito principal, é medrar o numero dos

que lhes fação côrte , e ter mais boccas, que os lisonjeeni.

Confesso, que bem vezes castigados são, e que não é sem exemplo vêr esses Déspotas da Litteratura já celebrados pelos estrangeiros, e pelos Francezes, sobreviverem (para escarmento de taes como elles ) á sua celebridade quando, pelo transtorno das circumstan. 1 cias, desajudados são de fazer bem ou mal.

Daqui surge a pretendida dependencia , em que se dévem achar os Litteratos, e que era

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Flandres de habeis (não opulentos ) Pinto

res ; e de célebres desabastados Artifices a | Italia. Apraz a Natureza de quando em quan.

do abrir minas de ingenho, minas de talen, tos, que depois por longos séculos afferrolha. E zombando de injusticas da Fortuna, e de injustiças de Homens , procréa Ingenhos ra: ros entre gentes bárbaras, como entre çafios selvagens bióta preciosas plantas , cujas virtudes elles ignorão.

Engañado iria quem, sem restricção dissesse, que o mal distribuido dos premios des alenta os Ingenhos superiores : premios que se nào alcanção, dão bem vezes ála a produ; zir cousas grandes : sem esperança de os ob; ter se lida, com o fito somente de os mere, cer. Ei-los uteis os premios, e mais ainda quando ás mãos cheias, e como a esmo, os deitão

por

ahi. Não é desejar que se estanque esse olho de agua. O desânimo, em que (por certo prazo ao menos) cabirião os Liiteratos føra, segundo o meu parecer, maior mal que os obsequios, e quasi idolatria , a que os ace curva o interesse. Não quero que me comparem com esse. Imperador mentecapto, que mandou queimar a Bibliotheca de Constantinopla, porque linhão os Litteratos d'esse Império, devoção a Imagens. Tenho só que mcaos frequentes se dèm prernios, e assim

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lopga e se ella em verso vem, quanto é enladosa? Ei.Ja á sua vontade, depois que lhe permittimos espanejar-se em prosa. Tanto receiamos nós desacorçoar talento de tal lóle!

Os appellidados Versinhos são hoje portentosamente desvalidos; e a não trazerem $abôno de excellentes, ninguem se resolve a

lê-los. Por testemunhas tomo quantos Scriptores periodicos apporfiào em recolher, ou em enterrar Peças fugitivas, e que a titulo tal devem cada vez pagar ao Público trifico tributo. E quanta vez não desdenha esse mesmo Público pôr olhos pessé tal tributo ?

O metrificante Povo magoado vê o progresso do desvalimento em que descáhe. Desfor. ra-se com attribui-lo (e que Bárbaro lh'o estraoharia ?) a esse Spirilo Philosophico já tào assoberbado de muito mais graves nequi. cias. Que tambem no Spirito Philosophico deve este aggravo recabir.

Talvez que mereça esta nossa Éra muito menos do que se cuida a hopra, ou a injuria, que lhe pertendem fazer , em lhe chamar por antonomasia , ou por motejo , Era Philosophica. Philosophica , ou não, facil será insi. nuar aos Paétas que não tem que se queixar della.

Sc inspira a Philosophia amor de ler cuu,

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-Bucólica ? O desa brimento com que agasalhå

idéias, e hypotîposes triviaes, produz esses #dous effeitos cootrarios. Quem dá caracter á # Poesia lyrica , são os grandiosos , e elevados

pensamentos : sem essa condição não preten

de nenhuma Ode grangear applausos merecidos.

E óra os sublimes pensamentos raros são , e não os suppre a inagoificencia da locução (e é tão pobre essa magnificencia , quando Ìhe falha o sublime dos pensamentos!) nem a bella desordem, a que inda atégora não dérão cabal definição ; nem as corriqueiras invocações ás Musas etc. que portiào em se dar por surdas; nem por um Estro, alli á mão , que dá fumnos d'um tropel de idéias ; e que nem dá de si uma única.

Numa palavra , ci-la a rigorosa, mas jus* ta lei, que aos Vates impõe esta Éra em que vivemos. Reconhecer unicamente por bom em verso, o que ella daria por excellente em prósa. Não que ella diga , que versos approsados, (inda os de melhor conceito ) lhe mereção approvação. Que é mais perluxo o Homem atilado no bom gosto, à cerca do tra. jar os pensamentos em verso, que á cèrca de os trajar em prósa. Nesta se dá por contente, com que o stylo corrente seja e natural, sem baixeza dem dissabor; requer de mais, no

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assim pensară a Academia quando julgar as

Poesias que lhe vierem a concurso. Em quan. be to ella propôz e fixou os assumptos, se de al

go se poude arguir em suas decisões, não a dirão excessiva em seu rigor ; antes accorçoou alguma vez o botão d’esse talento, que o talento mesmo; e o vulgacho dos Criticos, que alambazadamente folga em dilacerar as Obras coroadas pela Academia, e que nem conseguiria o premio da Sátyra (quando para ella bouvera um ) desengapado fique, sem susto da sobeja boa opinião que da Academia tenha; que poude ella dar valor a cer. tas Obras em verso, ao mesmo tempo, que muito arredadas as cria da perfeição. Que, nada menos, para se empossar do jus de ser mais severa para o futuro, se inclinou , d'alguns annos a esta parte, a deixar aos Poetas a eleição dos assumptos. Com pezar ólba , todavia, que a medida da liberdade

que

ella assim aos Autores deo, e do rigor do exame, denuncião negligencia os seus poemas. Não que deixasse a Academia de vislumbrar em algumas Obras , talento , e centelbas de ingenho; mas não assentão bem os premios n’alguns poucos versos despegados, é como boiantes á ventura : só bem assentão na formosa constructura da Obra. Ei-lo, que sem designio, sem objecto se perde um em continua,

Tomo XVII,

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sompto. Em Racine, pelo contrario, föra defeito a negligencia : e lodavia a apurada elegancia d'esse Poéta , por uniforme, e continuada , cansa o Leitor, por fim ; como lhe chama certo discréto : monotonia da perfeição.

Por esse mesmo motivo, se pode ( se cu não me engano ) explicar o como é quasi geralmente impossivel, lèr compridos poemas, d’um tiro , e sem enfadamento. Com effeito, compéle ás longas Obras assemelharem-se á Conversação, que para ser agradavel e não cansada , ha-de ter lances de animada e viva : e ora n'um assumpto, que pobre seja, des. leixai um tanto os versos ; ei-los que descontentão : continuai nelles a perfeição, e essa mesma perfeição embota o nosso prazer.

Postos estes principios , e ouvido o que geralmente depõem os Litteratos , que admirador tão porfiado ha hi de Homéro, ou de Virgilio, que sem quebra, e sem fastio , léve a leitura ao fim? Verdade é que alem do métro, outra causa alli produz o nosso res. friamento ; e essa rem do pouco que nesses compridos poemas interessamos. Diga-o a impossibilidade de os lèrmos nas traducções. Um só Epico ( perdoe Boileau ) nos interes. sa ; esse é o Tasso , que tem o grande defeito de ser muitos seculos mais moderno do que Homero ; e que Virgilio. Talvez que tenhå. mos Poéma Épico, que sem cansaço, enojo se leia d'um tiro : mas tem ó Autor maior defeito ainda que o 'Tasso, que é ser francez, e viver ainda.

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não exprimão com lidadas expressões, pensamentos que em prosa vulgares fossem, Ihes despimos a poética roupagem. Assentase que toda a Poesia perde na traducção; mas a que menos perde, é, em todo o caso, a de maior valia. Não sei se concordarào comigo os Poétas; mas verdadeiro, ou não que seja este meu assérto , recuso-os eu , pelo in. teresse que elles em negá-lo tem. Não,

, que a Poesia , e ainda mais a Lyrica, nan suba de preço, enriquecida com a harmonia das palavras, á qual parecião os Autigos ser principalmente affectos. Horacio, que o entendia bem , falla de Pindaro, com enthusiasmo ; mas, (a sermos nós de boa fé) nas traducções que de Pindaro temos, nào nos arrebata a admiração. Quem pois lhe grangeon tantos elogios ? Por certo que lh'os granyeou o ter elle levado ao mais alto gráo, o merito da expressão, e da cadencia , cujo effeito havia de ser grandissimo n'uma lingua tão abastada e música , qual era a Grê. ga , quão mingnada em nós como mória que ella é', que a não sabemos pronunciar, e que a entendemos mal.

E esse mesmo Horacio , tào panegyrista de Pindaro, com quem se não affouta a hombrear, nus agrada mais do que elle : por. que, com esleito , de pensamentos, mais . fartura ha em Horacio , do que em Pindaro, mais finura no modo de sentir , e o seu poetar mais variado e natural. E ora somos nós seguros de possuir o affinado toque das bellezas

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bi que' duvidar : 'em fé nossa tem de assens tar gran parte de sua admiração; frouxos as sentirão, e a esmo as hão de applaudir.

Tornemos á Ode. Parece que o Público por já lasso , ou por anôjo se descontenta de Odes, e a tal extremo, que vacillou a Academia, se deixando aos Poétas a escolha do assumpto, lh'a deixaria tambem da Ode , do Poêma, ou da Epistola. Mas pôz mira , que se já nutava em seu throno , a Ode, não lhe cabia á Academia franceza, do throno derribá-la : antes era pundonor seu acorçoar um género de Poesía que não merece morrer na escuridade. Nem de tal se arrependeo : que á vista dos applausos que o Público deo agora á Ode que ouvio, medrão as esperanças, e os refu. gios que ainda 'réstão.

A valía de que deseahio a Ode grangeon-a a Epistola ; nella achão mais largas os Poetas; dão mais passe , na Epistola a um verso frouxo, do que o dão na Ode. Além de

que, a Ode traz ufania , e ufanias estramunbão esta Era nossa ; e, nada menos , devêra tratá-las com mais excusa , vista a abundancia que em todo o género entre nós lavra. Como quer que seja , surte melhor a Epistola : insinua-se com modestia , e sem apparato ; e.essa Philosophia , que de grado ou de força, em tudo se entremetle , alli depára assento

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phia amor de seus proprios pensamentos, que amor da sabedoria.

De que serve ( dizia am Foảo que se dava por pensar melhor que os outros, porque os putros pensavão diversos delle ) de que ser, ve atravancarmo-nos com os destemperos gae antepassados fizérão , ou já disserào ? Temos de sobra, nos que vemos, e nos que oavimos, grave occupação de llistoriadores, acodados em os recopilar, e mui cabaes para os louvores , que lhes dão.

Dizeis me vós, que a Historia ensina a conhecer os Homens ? Melhor, e cm menos tempo m'o ensinarão alguns instantes que tratei com elles. E ora o desastre de os cophecer por experiencia, não convida a coadonar-lhes alguns tristes e livianos gráos de perfeição, pelo meio da leitura. Estou em que os Homens, em todas as Eras forão , como hoje o sào, fracos, velhacos , e máos, uns pelos outros burlados, e burlócs; não preciso abrir livros para o ter por seguro. A Experiencia ene tem affigurado o Mundo co. mo um bosque infestado de salteadores; e que tal foi sempre m'o confirma a Historia. Não o tendes por mui guapa doutrina ? e que muito vos consola ?

Dizia mais esse azédo Critico. Serei eu tão louco que de crédito ao que antes de mim

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todo o tempo se desvelárão em abafa-los ; que olha, mas sem se demover , qual sorte foi a dos seus predecessores, que

a que lhe tem de vir , se destemido como elles, e como elles bem succedido, accrescer no edificio da Kazão algumas projecticias pédras, por dita sua ,

desdita. Repete-lhe a cada ins. tante a Historia o que os do México inculcavào aos Filhos, desde lhes erão, nascidos : Lembre-te,

i que para padecer viéste ao Mundo : padece, e cala-te. Eis o teór, com que a Historia instrue, consola e dá com ragem.

No.

que della apprende, lhe perdða o Philosopho o que nella é incerto ( condão de humanas luzes !); e a escuridão do Mundo physico o consola da escuridão do Mundo moral. E porquanto lógo as esquece, sobeji. dôes the releva ; ou porque melhor o diga , nem forças põe em despedir da memoria factos, que por si mesmos, nada o interessão na leitirra; factos , que pela convenção dos Homens enirão no fio da Historia, como no fio da Conversação entrão certas phrases : n'uma palavra, como uma dessas inutilida. des tão necessarias, que enchem os immensos , e crébros vácuos da sociedade.

Pelo que, em vez de desdenhá-la o Philósopho , à elle é unicamente util a Historia. Classe ha lodavia a quem ella é ainda mais util; a mal affortunada Classe dos respeitas, veis Principes. Nào os olfeodo , quando assim tallo. Dictou-me essa mal afforlunadu o in. teresse, que a lodu o Cidadão inspira a ine. vitavel desgraça a que elles andão sujeitos de não vêr Homens sem máscara ; Romeas, que tanto lhes é importante conhecê-los. E a Historia é quem , como em pintura lhos amostra ; e o retrato dos Páes lhes é lição pa. ra desconfiar dos Filhos.

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levantar déve. Mas, eis que salvando d'un mal, nos lança n'outro, sem o querer. Fara que empunhe a penna infindo Autor mediocre, e que sofrēgo se abalance a esse teồr de - escripta, em que, sem metter muito de seu cabedal, e tirando quasi tudo de Celleiro alheio, se estende a larga sementeira. Escrevem Historia, como muita gente a lê; escu. são meditar , e a pouco custo, ei-los Autores.

Outra maneira existe de appresentar a His. toria, e que é por certo menos austéra que a . dos Compendios Chronológicos, e que consente ao Autor não só mais liberdade, mas ainda licença. Compendiar a Historia Uni. : versal sem particularizar factos ; dar unica. mente delles, um resumo geral que interésse por meio de entresachadas reflexões, ci. frando em Quadros, e com finas côres os successos , dando a muitas figuradas personagens pequeno talhe, mas vivacidade grande.

Feliz o Historiador que neste género de escriptura , (donoso, mas arriscado género) se em quanto a Eloquencia Ibe deo alma á perna , a Philosophia lh'a foi guiando ! se os acontecimentos não tómão a cor que tinge privativa a judiciaria do Autor ; (monótona, então, e falsa côr !) se pur dar brilho ao Quadro, não é infiel ao successo, nem pelo abastar confuso,

pein pelo accelerar cansado!

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Natureza ! Quando, a serem outros do que que hào sido, lhes coubérão , e talvez melhor, as táes explicações. Um d'esses sabios que em nada empeço encontrào , deo d'esse geito uma Chimica demonstrada, a qual em cousa neo nhuma vinha balda, senão na verdade dos factos ; acanhadinha objecção, á qual, quando lh'a fizérão, respondeo mui seròdeo. « Pois >> dém-me cá os factos como elles são, e tem sa de ver como lh'os explico. » Assim acontece aos Autores, que tão guapos motivos nos dão dos acontecimentos passados. Quizéra eu que tomando balanço ás suas forças, se atirassem, pelo que ante seus olhos passa , a adivinharem as revoluções que dahi tem de resultar, Que nos prognostiquem , segundo o estado da Europa neste anno corrente, qual tem de ser para o anno que vem. Oh que não ! Tal ensaio não o esperem delles. Não tem bofes para tanto a sua sagacidade; e periclitaria de sobejo a Melaphysica d'esses Autore6 : depois do que succedeo, antediriào o que nunca tinha de succeder.

De quantos modos ha de escrever a Historia , o que talvez merece mais confiança, pe. , la singelez, que lhe deve servir de alma, é

o das Memórias , ou Cartas particulares. Neigligencia de stylo , desordem, longuras, pee quenbezes circumstanciadas, elc, tudo se

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para bem entendermos os descontos encober tos de qualquer profissão, reléva conversar com os que a exercitào , e não com os que com ella se divertem.

Muito antes que o dissesse Horacio , tinha ditto a experiencia que ninguem se dá por ditoso no lugar que tem ,

mas sim no alheio : e a unica ventagem ( se tal), e que: as luzes da sciencia dão, é a de não invejar o estado alheio ; sem , por tanto, se conten.. tar com o seu.

Não imaginemos todavia que a Dita é incompativel com a cultura das lettras : que então seria exagerarmos o nosso infortunio. Porquanto ha nesse estado, como em todos os mais, sujeitos privilegiados, que escapão á Lei commum , e se lisonjéa cada um

; que entrará no rol d'esses predestinados. Que a não ser assim, parvo fòra quem não quei. masse os livros; começando pelos que houvesse elle mesmo coinposto. Mas a mesma Providencia que (parece ) coadunou a mediocridade da classe, e da riqueza a Dita , coadunou igualmente a mediocridade dos taJentos, para nos curar (quem sabe?:) de ambição em qualquer género que fosse. Essa mediocridade satisfeita e assocegada ,, que alimenta e affaga o nosso amor proprio, gue ao de ninguem dá sustos, que sem mui;

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não lhe céde; com ella se diverte', mas della desconfia. Allumiados por essa Razão, justa ainda que fria , tácitos a escutemos. Contemplèmos de primeiro, o que é Esludo em si mesmo, e limitênuo-nos neste discurso, fazer algumas reflexões , meias consoladoras, meias tristes,

tanto á cerca dos regressos que pas Lettras se encontrào , quanto a cerca dos desgostos, que nellas se experimentào.

Nos Homens é natural a Perguiça : ao que nos arguirào que o Homem é condemnado a Irabalbar, pela sua distinação primeva. As semelhêmo-lo ao pendulo : tira-o do descanso alhéa força ; mas o pendulo tende sempre a vir ao descanso. Seguindo ainda a mesma comparação digo eu, que arredado uma vez o pendulo da situação que tinha , a ella mil vezes tórna sem parar , até que o móto seu de jento em lento, pelo roçar continuo , e pela resistencia é destruido , e é nada. Assim o Homem tende sempre ao remanso : bem que agitado por incessantes desejos delle saia, e sempre o busque, lá vem , pouco a pouco, a se gastar por esses mesmos desejos a alma, c pela resisiencia que encontrou em contentá-los, e por fim chega a lograr tardia desa contente tranquillidade. Dous Homens andão do Homem ; o Homem da Natureza , e a Homem facticio. O primeiro só tem idéia das TOMO XVIII.

R

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do ao Deos-dará, neste Universo , diria , mo o disse o Dóge de Veneza, vendo-se em Versalhes, a quem lhe pergunlara qual de tantas maravilhas o admirava mais : « O que mais me admira , é vêr-me eu aqui » (1).

Enfadado dos livros, que promettem ins. trucção, e que tanto falbào no que promete temn, dei-me a Obras de méro agrado, onde parece acertar-se com algum recurso. Noro engano! Que, em tào bastos Oradores nào achei senão declamações; na multidão dos Poétas , pensamentos falsos ou vulgares , com forcejo , c apparato proferidos ; no cardume das Novellas, o Mundo, e os Homens falsamente retratados. As Paixões, que essas ultimas Obras pertendem dar-pos a conhe. cer, uh quão frias tem de parecer a corações em que Paixões nenhum accesso tem! e ainda inais frias a quem de alguna paixão está inflammado! E

que

distancia , então, entre o que se lê, e o que se sente!

Deo-me no ânimo, (apóz leitura tão cansada e tão inutil) que havia livros com litulo de Diarios, fadados a recolher quanto ha inelhor nos outros livros, « Por estes, dizia cu comigo , é que eu derêra começar. Terme-biào forrado bern dissabores e trabalbo.

(1) Vid. Historia de Luiz XIV..

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quem dá vida a todas as mais porções da Litteratura , desde o Discrelo até ao Philoso; pho : cumpre accorçoá-la pelos mesmos principios , com que n'um Esiado em que ha boa policia, se accorçôão os Lavradores.

Tambem vos dou tal qual razão po que vos queixaes das incertezas da Historia , no caso , que para um Philosopho fosse a Historia uma secca e nua narração dos factos. Verdade é que ella nem sempre diz verda: des; mas ella mais

que
Inuilo a diz

para

dar a conbecer os Homens, que era o objecto principal que vessa leitura vos devêra levar os olhos e a attenção. Quanto não bouvércis pasmado, ao sahir da vossa solidão de os achar quáes elles são : delles apprendereis a amar alguns, a fugir dos mais, e a receiar, vos de todos.

Convenho, que ainda menos verdade que a Historia os Diarios dizem mas sejamos justos. Nunca vós, no que escrevestes , qui abão destes á Amizade , Gratidão , ao inte

e quem sabe se ao Ódio ? E quereréis vos mais perfeição nos outros que em vós mesmo ?

Desculpa tendes de ter lido de malhão, Poétas, Oradores, e Novellas; mas não de os haver lido até ao fim. Desde as primeiras páginas vos devêreis capacitar, que as obras

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ArtesLeis , que mediocres dictárão , e o Ingenho;

que se curva e que obedece : comparai-mo a Tas tal um Monarcha que Escravos seus bào posto a .? Es ferros. Não deve o Ingenho deixar-se subju

gar; nem inenos dar-se tambem toda a sol. teratur iura. Regra é esta de tanto proveito para os progressos

da Litteratura , que bom fôra que de qui a estendessem , não só as Obras originaes inas prets até as imitativas como v. 6. as traducções. do afor Evitarei neste opusculo esses extremos amArt bos, é ambos perigos, muito rigor , muita

indulgencia. Examinarei, de primeiro, as Leis da traducção, quanto á indole das lin.

guas, quanto á indole dos Autores ; e por C's Los último os dictames que nesse género abraçar

Vulgarmente dão pela mais facil de todas a les acte Arte de traduzir, a serem moldadas as lia. a mi guas umas pelas outras : e eu digo que esse o bons fòra o caso de nos dar ráais traductores meesse, ek diocres, e menos ainda que passassem por inte em excellentes. Servis e litteraes aquelles, por a fallei curtos de vista : e estes , que

Ibe requerem

de e com mais a harmonia e a facilidade de estylo, stalo duas condições nunca descuidadas pelos bons della fé Escriptores , e que são o caracter genuino de migo y alguns delles. Que agudeza não fòra necessi. talem ria ao Traductor para distinguir em que ça.

80 ha-de reder (sem muito a desfallecer) ás

TOMO XVII).

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